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Contos-->Daniele -- 20/02/2001 - 08:43 (IZABEL ROSA CORREA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Daniele



O telefone chama e chama e chama.

Marlene liga o abajur. O mostrador do relógio marca 2 horas e 14 minutos.
- Isso são horas de ligar. Deve ser engano.
A voz do outro lado quase grita e ela afasta o fone do ouvido.
- Estou ligando de Manaus. Meu nome é Renato. Preciso falar com minha mulher, ela mora no apartamento em cima do seu e não está atendendo ao telefone. Eu sei que é tarde, mas, combinei com ela que ligava e estou ligando há quase uma hora e ela não atende. Tenho medo que tenha acontecido alguma coisa. Ei, você está me ouvindo? Como é seu nome?
O cérebro de Marlene não conseguia apreender o sentido daquela torrente de palavras.
- Meu nome é Marlene. Deve ser engano. Não estou entendendo nada. Ligue outra vez e você falará com a pessoa certa.
Põe o telefone no gancho e deita. Desliga o abajur.
Tenta lembrar tudo o que o homem do outro lado tinha dito, mas não tem tempo. O telefone toca outra vez. O marido acorda.
- Atende esse telefone logo, quero dormir.
Marlene derruba o abajur ao tentar acendê-lo.
- Porcaria. Deve ser aquele tonto outra vez.
- Alô. Você ligou errado de novo.
- Por favor, dona Marlene, não desligue. Estou desesperado. Me ouça.
- Está bem, fale. Mas lhe asseguro que é engano.
- Não, não é. Estou ligando de Manaus. Sou piloto e moro há duas semanas no apartamento em cima do seu. Minha mulher, Daniele, está lá e não atende ao telefone. Peguei o seu número na lista de endereço.
- Ela deve estar dormindo. O que o senhor queria? Tudo bem que aí é outro fuso horário, mas, sabia que é madrugada?
- Claro minha senhora, mas combinei com ela que ligava. Sempre ligo na madrugada e ela me atende prontamente. Estou com medo que tenha acontecido alguma coisa. A senhora sabe, a central de gás, algum acidente. Deus me livre, mas estou tão preocupado.
- Este prédio tem central de gás? Tudo bem que me mudei nesta semana, mas, aqui não tem central de gás.
- Então deve ser só no meu apartamento. Bem, não interessa, o que eu gostaria de pedir é que a senhora fosse no apartamento de cima e batesse na porta e chamasse a minha mulher. Ela se chama Daniele e está sozinha. Por favor.

Marlene respirou fundo.
- Está bem. Ligue daqui a uma hora.
- Não, uma hora é muito, estou desesperado. Ligo em meia hora. Por favor.

A voz era mesmo ansiosa.
- Está bem.
Ernesto, agora bem acordado, remexe-se e ajeita o cobertor. A mulher lhe expõe a situação rapidamente enquanto veste um roupão. O frio enregela as mãos. Ela olha embaixo da cama.
- Como você vai saber que não é um trote?
Marlene pára de procurar as pantufas.
- É mesmo. E agora? Não vou?
- Sei lá, você que falou com ele
- Puxa você não me ajuda. Ele estava tão desesperado. Não é possível que seja trote. Parecia tão sincero.
Ele Ajeita de novo o cobertor.
- Bem você é quem sabe.
Ela encontra as pantufas.
- Daniele. O nome da moça é Daniele.
Os passos, apesar de leves, ecoam no silêncio do corredor. As lâmpadas acendem-se à sua passagem. Um vento gelado sobe as escadas junto com ela.
- Daniele. O nome da dondoca é Daniele. Ela dormindo e eu aqui neste frio. E o marido então? Um tonto é o que ele é. Devia dormir e deixar os outros fazerem o mesmo.
Põe o dedo na campainha e um longo zumbido se espalha.
- Agora acordei o prédio inteiro. Ou a tal Daniele está morta, ou logo vai aparecer.
Nada. Nenhum movimento. Aperta novamente a campainha. Novo zumbido. Uma luz se acende no apartamento ao lado. E nada da Daniele. Toca a campainha do apartamento que acendeu a luz.
- Meu Deus. Agora sim, vão me xingar.
Uma moça loira, num roupão claro espia na fresta da porta protegida com pega-ladrão.
- Quem é?
- Sou a vizinha de baixo. Você conhece a sua vizinha do lado, a Daniele?
- Daniele? Não, não conheço.
- Parece que ela mudou-se faz pouco.
Rapidamente conta a história do piloto, da moça sozinha, do telefone, da campainha. A loira se interessa.
- Eu não conheço essa vizinha. Trabalho o dia todo e não vejo ninguém aqui no prédio, mas ela pode não estar em casa. Qualquer um acordaria com essa campainha. Toque mais uma vez.
Marlene aperta a campainha com gosto e o zumbido frenético se estende. Sobe as escadas, bate nas portas, ilumina as janelas. A Daniele não aparece.
- Desisto. Obrigada. Ela deve ter saído mesmo.
Volta e encontra Ernesto na sala.
- Que demora! O tal piloto ligou de novo. A mulher dele atendeu?
- Qual nada! A campainha dela acordou até o prédio vizinho e ela não atendeu. Deve ter saído.

O telefone toca. O piloto não desiste.
- Não. Eu sei que ela está em casa. Sempre me avisa quando vai sair, daí eu ligo no celular.
- Pois então ligue no celular.
- Já liguei. Dá a mensagem de celular desligado.
- Olha moço eu não posso fazer mais nada. Então o senhor vai dormir e me deixa dormir e amanhã o senhor fala com a sua Daniele.
- Não, dona Marlene. Aconteceu alguma coisa com a Daniele. Hoje de manhã ela estava tão nervosa. Tenho viajado muito. Eu lhe autorizo. Pode chamar um chaveiro. Desses 24 horas, que atendem emergências. Eu pago qualquer despesa na volta. Por favor, você pode salvar a Daniele.
- O senhor está louco! Eu não vou arrombar porta nenhuma a esta hora da noite. E se o senhor estiver só passando um trote e se divertindo às minhas custas?
Um longo silêncio interrompe a conversa. Depois um suspiro, quase um soluço.
- Como posso provar que estou falando sério? E se a minha Daniele morrer? E como a senhora vai se sentir, se não a ajudar?
O silêncio agora é do lado de cá.
Ernesto toma o telefone das mãos de Marlene.
- Ô meu! Vê se pára de encher. Tua mulher saiu dar umas voltas e você não se toca. Além de corno é burro e inconveniente. Deixe os outros dormirem, ou ligue para a polícia. Talvez eles venham ver a sua Daniele.
O quarto é devolvido ao silêncio. O aconchego das cobertas aquece os pés gelados de Marlene, mas ela não consegue dormir. Fica tentando ouvir algum ruído no apartamento de cima. Parece que uma cama rangeu. Não tem certeza. Senta-se.
Parece um gemido. E se a moça se matou? Solidão dói. Talvez tenha cortado os pulsos.
O telefone toca.
- Eu não conheço ninguém aí. Sei que a senhora já fez muito, mas será que a senhora não podia ir lá embaixo falar com o porteiro? De repente ele tem alguma chave, ou viu a Daniele sair.
Marlene pensou na moça de pijama com os pulsos cortados.
- Está bem.
Derruba o fone ao coloca-lo no gancho.
Pega os chinelos do marido, pois não acha suas pantufas. O relógio diz que são 3:50.
- Maldita Daniele. Se ela não estiver morta eu a mato.

Agora os chinelões estalam escada abaixo.
- Prédio sem elevador. Vizinhos loucos. Estou bem arranjada.
O porteiro acorda num pulo. Assusta-se e Marlene ajeita os cabelos, não tem certeza, mas não quer parecer um fantasma de chinelões e roupão bordô.
Repete a história a um porteiro sonolento.
- Qual é o apartamento?
- O meu é o 301. O dela deve ser o 401. O senhor conhece a moradora?
- Não. Eu só fico à noite.
- Tem por acaso alguma chave para emergências?
- Não. Nenhuma.

Marlene olha em volta desconsolada. Quer xingar, mas lembra-se da moça com os pulsos cortados.
- O senhor precisa fazer alguma coisa. E se ela ligou o gás e se matou? Ou cortou os pulsos?
- Gás? Não tem central de gás aqui. Bem, tem o fogão.
Sobem. Os chinelões estalam novamente. O zumbido de uma campainha desce as escadas e os alcança. O vento gelado sobe as escadas com eles. Antes das luzes acenderem-se vê-se por baixo das portas frestas de luz.
- Deve ser o meu marido tocando a campainha dela. O piloto deve ter ligado de novo.
- Mas, todo mundo está acordando no prédio minha senhora, por que ela não acorda?
- É o que eu lhe disse. Deve estar morrendo. Ou já morreu.
Vê o rosto pálido contorcendo-se. Sobe as escadas mais rápido ainda. Os chinelões estalam. Ela enrosca um pé. O porteiro a segura e quase cai com ela.
- Cuidado, dona, senão é a senhora que se machuca.
- Me chame de Marlene.
E resmungando:
- Maldita Daniele.
Agora Ernesto, de pantufas rosas, esmurra a porta. A loira do roupão claro está com ele e grita:
- Daniele, Daniele!
Marlene começa a bater na porta também e o porteiro olha em volta sem saber o que fazer.
A loira está muito junto a Ernesto e Marlene, disfarçadamente pisa no seu chinelinho rosa com o chinelão duro de Ernesto.
- Desculpe. Estou meio sonolenta.
- Tudo bem.
A loira continua colada no Ernesto. Agora o porteiro acha o que fazer. Fixa maravilhado o bumbum arredondado da loira, enquanto ela esmurra a porta.
Todos gritam. A porta se abre. Um homem alto, de cuecas de seda espia.
- Estão loucos? O que querem?

Marlene não acredita. A talzinha estava acompanhada, por isso não acordava.
Todos ficam mudos. Ninguém quer contar a história. O Ernesto não agüenta.
- O marido da moça quer falar com ela. Vocês não atenderam o telefone.
O homem abre a porta e uma gorda baixinha aparece.
- Meu marido? Onde?
Ernesto aponta-lhe o dedo. Todos entram na saleta.
- A senhora devia estar muito ocupada, para não ouvir ele ligar. Ligue para ele e invente uma boa desculpa, senão quando ele voltar de Manaus eu conto tudo sobre o bonitão aí.
- Mas, o Hélio não está em Manaus.
- Hélio? Era esse o nome do piloto, Marlene?
- Não lembro.
- Meu marido não é piloto.
Todos se entreolham. O bonitão se esconde atrás da gordinha. Marlene quase grita:
- O seu apartamento tem central de gás?
- Não. Vocês são loucos? E o meu marido?
A gordinha empurra o bonitão.
- Vá embora Alfredo. Não estou entendendo nada.
Ninguém mais está. Ouve-se o telefone tocar no apartamento de baixo.
Marlene desce na frente. Perde um chinelão no primeiro lance de escada. A loira se agarra a Ernesto. Quando entram no apartamento de baixo o telefone para de tocar.
- O piloto desistiu.
Ernesto olha feio para Marlene
- Sua tonta eu avisei que era um trote.
O telefone toca de novo.
- Seu nome é Hélio?
- Não, é Renato.
- O marido dela é Hélio e não é piloto. O senhor está louco. Eu lhe avisei desde o início que era um engano.
- E a Daniele?
- Não. Só tem a gordinha que está lá com o Alfredão. Mas, pêra aí.
Fecha o fone com a mão.
- Ernesto como era o nome dela?
Ninguém perguntou. Sobem de novo. O piloto espera. A gordinha desce e atende o telefone.
- Hélio, aqui é a Sandra.
- Sandra? Quem é você?
- A vizinha, ora. E você não é o Hélio.
- Espere meu celular está tocando.
A Sandra avisa:
- Não é o meu marido e o celular dele está tocando. Espere...
- Alô! Não aqui é a rua Comendador Fontana, não Comendador Macedo.
Sandra, a gordinha fala mais uns três “Ta bom” e desliga o telefone:
- Ele disse que acha que foi engano. Errou o número do telefone. E o nome da rua na lista também. Pediu desculpas. A mulher dele ligou no celular.
Sai calmamente. Grita da porta:
- Se vocês falarem alguma coisa do Alfredo para o Hélio eu venho aqui e ponho fogo nesse apartamento.
A loira sai também.
Marlene olha o mostrador do relógio. 5:45. Joga o chinelão que sobrou no abajur.
- O piloto acha que foi engano. Ela bota fogo no apartamento. A loira agarra o Ernesto.E a maldita Daniele não morreu!



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