Quem não gosta de contar seus sonhos? Aquelas viagens mirabolantes no tempo e no espaço, com transformações bestiais, acontecimentos fisicamente impossíveis, encontros sobrenaturais, tão simples e naturais enquanto dormimos e tão absurdas quando acordamos, que na maioria das vezes nosso próprio cérebro nos faz o favor de apaga-las da memória.
Há os que dizem não sonhar. Ou melhor, que não lembram dos seus sonhos. Para esses coitados, só resta ouvirem os outros contarem as peripécias de que são capazes no reino de Morfeu. Digo coitados porque não há coisa mais chata do que ouvir um sonho:
- Então, alguém bateu na porta. Quando tentei levantar o braço, percebi que eu tava todo grudado em chiclete...
- Chiclete do quê?
- Como assim? Sei lá, de tutti frutti, acho. Mas aí a porta abriu e apareceu tipo um urso... não, era um guaxinim gigante...
- E que diabos é um guaxinim?
- Pó, deixa eu chegar logo na parte que a Vera Fischer desce do disco voador vestida de mulher gato!
Claro que a coisa muda de figura quando incluímos outra pessoa no nosso sonho:
- Ontem você apareceu no meu sonho!
- Não pode ser! Pelo que me lembro eu tava no meu!
- Seu engraçadinho! É sério, sonhei que a gente tava se casando. Foi tão bom...
- Casando de novo? Foi melhor que a primeira vez? Hein? Hein?
- Ah, foi! Muito melhor! Eu disse não!
Sempre fui um grande sonhador. Não, não vou chatear vocês com minhas aventuras epopéicas e dramáticas de seis minutos que tenho todas as noites, viajando entre florestas incomensuráveis, entre animais tenebrosos, resolvendo casos intrincados de conspiração intergaláctica, pilotando espaçonaves equipadas com raio laser. Vou apenas comentar algumas coisas que li no livro O Grande Manual de Interpretações de Sonhos do Dr. Schlung, escrito pelo grande psiquiatra alemão Dr. Wernz Haiwtatzv Schlung. O livro está à venda na livraria em frente à minha casa e custa R$13,46.
Schlung, que não era um grande sonhador, baseou seus estudos numa exaustiva pesquisa com sua mulher, Alba, e seu mordomo, Helmut, que sonhavam adoidado. Ambos relatavam, durante as frias manhãs de Osthofen, seus sonhos, tentando recompó-los com o máximo de detalhamento possível, enquanto Schlung saboreava seu einsbein com cerveja e anotava tudo num caderninho de folhas amarelas e capa de couro.
Selecionei algumas interpretações de sonhos bastante comuns, para que mesmo você, que acorda apressado as sete da manhã, não dá nem bom dia pro cachorro e não tem tempo para essas besteiras, possa aplicar em algum fragmento de sonho que escape ileso da dureza do seu dia. Mesmo que seja pra jogar no bicho.
Sonho n°VI: você está pelado no meio da sala de aula, porém, curiosamente, ninguém nota. Extremamente constrangido, você não consegue nem mesmo entender as perguntas da prova mimeografada (será que ainda existem mimeógrafos?) que o professor está passando. Nu, e sem saber absolutamente nada da prova, seus colegas de repente começam a zombar de você, que sai correndo da sala gritando "arriba, arriba".
Interpretação: o doutor Schlong é breve nesse tipo muito comum de sonho. Conforme suas próprias palavras (inclusive o sotaque alemão) "é muito óbvio que este caso se trata de um conhecido desvio sexual originado pela presença ostensiva da figura materna na vida deste pessoa, ou seja, é pura viadagem".
Sonho n° XI: você é acusado injustamente de beber toda a tequila de El Diablo, o mexicano salteador e, depois de fugir por todo o deserto de Nevada cavalgando numa ema, vai parar no topo de um edifício de dez mil andares. Ao correr sobre o parapeito, você obviamente escorrega e cai. Antes que você se esborrache no chão, você acorda assustado e suando.
Interpretação: o doutor Schlung avalia esse tipo de sonho como o de uma pessoa que está claramente enfrentando problemas com os pêlos de seu corpo. Seja um buço exagerado ou uma calvície prematura, o doutor Schlung aconselha somente uma coisa: encontre um mexicano qualquer e o convide para um porre descomunal de tequila. Mas não dê o seu endereço ao mexicano, senão sua vida pode ser tornar um pesadelo.
Sonho n°XXVII: aquele que você sai de casa pra comprar feijão à s duas da manhã carregando uma peruca ruiva dentro de uma lancheira do Frajola e de repente uma gangue de babuínos enfurecidos lhe encurralam e lhe obrigam a comprar entradas para o show da Sandy e Júnior.
Interpretação: esse sonho significa que sua cunhada provavelmente está com cáries.
Sonho n° XDVIII: você está parado no sinal, tamborilando seus dedos no volante, quando olha no retrovisor e se surpreende com um imenso sapo usando uma calça jeans descendo a rua pela calçada. Você pergunta para o sapo quanto ele pagou na calça, que é da Forum, mas ele parece não gostar por achar a pergunta indiscreta demais e começa a inchar. Você corre, tentando se afastar o mais rápido possível, pois o sapo vai explodir, mas o asfalto da rua virou marshmallow e você não consegue sair do lugar. Então um balão surge no céu sendo pilotado por um anão japonês, e você pede, gritando, para que ele jogue uma corda. O anão solta uma gargalhada com aquela vozinha fina, chamando a atenção do sapo, que, faminto, captura o anão com sua língua num tiro perfeito. Você se aproveita do descuido do batráquio gigante e entra correndo num bar onde um barman caolho enxuga um copo. Numa mesa do seu lado, quatro cachorros jogam póquer.
Interpretação: cuidado! Você está com sérios distúrbios mentais. Procure imediatamente auxílio psiquiátrico, e pare imediatamente de assistir televisão, principalmente novelas e filmes baratos. Mas, principalmente, tome muito cuidado com o que você lê, pois hoje em dia os jornais estão publicando qualquer coisa.
A SEMANA - 21/10/00
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