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Cronicas-->O MANEIRISMO NA POESIA CAMONEANA -- 30/09/2004 - 21:56 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UMA CERTA FORMA MANEIRISTA DE ESTAR NO MUNDO
João Ferreira


Aristéia está indo para a Biblioteca da Universidade. Tinha combinado com sua amiga Jajuara de se encontrarem lá para fazerem uma pesquisa bibliográfica destinada a servir de base para um seminário marcado pelo professor.
Elas tinham assistido a uma aula sobre Camões. E Aristéia que era ousada e voluntariosa não deixou a pesquisa arrefecer. Ela e suas amigas do grupo acompanharam com muita atenção o que fora exposto sobre o lado renascentista do Poeta lusitano. Tinham lido os Lusíadas e a simples referência do uso da mitologia greco-latina e do maravilhoso, entre outras coisas, lhes dava uma tranquilidade sobre a compreensão do nível renascentista da obra.
Agora queriam entender o outro lado da medalha. Se Camões era renascentista, comentavam entre elas, a que vinha o trabalho marcado pelo professor para que fosse estudado o maneirismo da poesia camoniana? Queriam entender.
No centro de convivência, quando tomava um sorvete, Aristéia encontrou um certo professor de sua simpatia e disparou para ele a pergunta bem direta:
-Professor, é verdade que a poesia camoneana também tem um lado maneirista? Preciso de esclarecer isso. Tenho uma pesquisa sobre essa matéria e meu grupo ainda está voando. Estamos precisando de uma orientação. Nosso professor de Literatura Portuguesa quer que desenvolvamos um seminário sobre o lado maneirista da poesia camoniana. Será que há material para estudar isso?
Sentaram juntos ali, no Centro. O professor pediu um café e a conversa passou a se desenrolar na direção que Aristéia desejava. A moça explicou mais detalhadamente, pediu ajuda e o professor foi gentil e atendeu.
-Há bibliografia variada sobre o maneirismo, disse. Há, sim.
Mas vocês têm que buscar e entender primeiramente o problema teórico e estético do maneirismo. Se não for assim, não irão entender nunca coisa nenhuma. O que é o maneirismo?- disse.
E ele mesmo respondeu:
- Entre a variada bibliografia, vocês poderiam procurar o livro "O Maneirismo" de John Shearman, traduzido e publicado pela Editora Cultrix da Universidade de São Paulo. Existe em quase todas as bibliotecas universitárias. Na escolha do que pode ser mais pertinente nesse livro, vocês podem começar por ler o capítulo sobre a história do maneirismo nas artes plásticas e depois estudar especificamente as formas características desse estilo estético-literário.
-Entre as "formas características", continuou, Shearman apresenta as "figura serpentinata" e ao fazer isso, remete para o Tratatto (1594) do italiano G. P. Lomazzo. Shearman acha que para se poder captar bem o que significa essa linha serpentinata, é essencial entender Lomazzo. Essa linha serpentinata traduz nas figuras um toque de mais graça e de mais significado. E isso porque ela representa o movimento, não as formas estáticas. A figura serpentinata é mais condizente com a Natureza que se movimenta e se expande. Uma figura não será graciosa se não tiver a forma serpentina, dizia Miguel Ângelo. A utilização da linha serpentinata como característica do maneirismo é um apelo à flexibilidade frente aos modelos clássicos e uma demonstração de que nada deve ser forçado.
-Entendeu?
Aristéia ouvia com atenção redobrada a indicação e a explicação do mestre. Anotou num papel a indicação bibliográfica e partiu para o encontro com a amiga que a esperava
Ao entrar no átrio da Biblioteca deparou-se com Jajuara e deu um sorrisinho enigmático de satisfação. Já tinha uma parte da orientação sem que Jajuara suspeitasse. Ao chegar à sala de leitura, falou para Jajuara que guardasse um lugar ali numa das mesas.
Ato contínuo, dirigiu-se para o computador, procurou "leitura fácil", escreveu Shearman no espaço reservado à indicação de autor, clicou e lá estava o bicho direitinho. Exatamente o que seu amigo professor lhe tinha indicado. A tradução da Cultrix. Anotou a cota, foi na estante, pegou também as obras completas de Camões em papel Bíblia e levou o volume para a mesa.
Ainda silenciosa, sentou-se. Estava disposta a procurar alguns poemas para ver essa tal linha serpentinata. Cheirava-lhe essa expressão a algo que remetia a "curva da serpente". E pelos vistos, a "curva da serpente" prometia. Animou-se.
Chegou, nesse momento, a Patrícia, que era do grupo, também. Se animaram todas. E manejando a edição papel Bíblia, Aristéia entrou na Poesia lírica de Camões. No índice encontrou canções,éclogas, oitavas, elegias, vilancetes e outros sub-gêneros. A sai mesma perguntava onde estaria a escondida "forma maneirista" de Camões. Neste momento, Aristéia já estava meio cansada. E foi então que Patrícia, que acabara de chegar, lhe deu uma pista:
-Aristéia disse: ainda não tive tempo de te falar que encontrei no corredor do Bloco de Letras o professor. Perguntou como ia nosso trabalho. Na conversa, ele me deu uma dica básica sobre o texto poético camoneano maneirista. Falou-me do "Desconserto do Mundo", escrito em oitavas. Acho que você podia procurar aí na edição papel Bíblia. Me disse o professor que se trata de um texto bom para entendermos o maneirismo camoneano. Me disse também que um tal de Vítor Manuel de Aguiar e Silva tem um livro sobre Maneirismo e Barroco na poesia lírica portuguesa. Podemos ver se há na Biblioteca. Falou que esse autor coloca esta poesia maneirista em Portugal na segunda metade do século XVI. É nessa época que circularam em Portugal vários textos críticos e teóricos de autores italianos e espanhóis.
-A idéia é importante para entendermos isto melhor, disse Patrícia relatando a conversa que tivera com seu professor amigo, e que, além de importante, acho indispensável para nossa leitura do Desconcerto do mundo seria a de entendermos o que basicamente explica esta mudança do Renascimento para o Maneirismo. A idéia é esta. O Renascimento tentava apresentar uma reprodução do ideal estético dos clássicos greco-latinos.Para manter esse programa, defendia essencialmente a imitação dos modelos consagrados da Antiguidade, o ideal da harmonia, do justo equilíbrio, da clareza e da dignidade . Este texto, como aliás outros textos de Camões já denotam desvios do modelos consagrados, reinvenção e reinterpretação de formas clássicas e outras.
-Segundo me disse ainda o Professor, acrescentou Aristeia, Camões anunciava isso já no soneto "Mudam-se os tempos mudam-se as vontades/ Muda-se o ser e muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança/ tomando sempre novas qualidades"/ Continuamente vemos novidades/ diferentes em tudo da esperança/ Do mal ficam as mágoas na lembrança/ E do bem se algum houve, apenas as lembranças"...
Nas oitavas do Desconcerto do mundo Camões lamenta as injustiças da Fortuna, os errados caminhos, os comportamentos de homens insaciáveis de mando, glória e poder.
As três amigas estavam felizes.
Acharam, neste momento, que o ponto ideal para amarrar a pesquisa, tinha sido atingido.
Bem dispostas, sentem que têm idéias claras e precisas. Irão rodar algumas cópias do Desconcerto do mundo para distribuir na sala às colegas, vão seguir um planejamento rigoroso de exposição, e vão entregar um texto escrito ao professor.
Aristéia, que é a líder do grupo sente uma tremenda vaidade do dever cumprido e está triunfante. Rodando pelas estàncias do saber, construiu com as amigas a informação de que precisava. Sempre prática, reunida com as colegas na Biblioteca, achava que com suas amigas havia construído uma "forma maneirista de estar no mundo". Uma forma que tem na mudança o grande sinal de estar no mundo.
Em contraste com o desinteresse e a indolência de certos grupos, acha com razão que ela e suas amigas estão de vantagem e vê com bons olhos que é necessário responder positivamente ainda que indiretamente a modelos retrógrados e acomodados.
Um exemplo de pesquisa vitoriosa nos tempos da informática. Uma resposta à acomodação.

João Ferreira
30 de setembro de 2004
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