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Contos-->Pedaço de mau caminho -- 10/07/2006 - 18:46 (Gerusa Leal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pedaço de Mau Caminho
Gerusa Leal


Flávio chega animado, trouxe rosas. Escuta-o falar do trabalho, das filhas. Observa, silenciosa.
- Você está elegante. Desse jeito acho melhor colocar um terno.
Vai até a cozinha. Retorna com o sushi.
- Puxa, que capricho, meu prato preferido. O que estamos comemorando?
- A vida.
Degustam a refeição, regada a saquê. Os pés, descalços, acariciam-se por baixo da mesa. Ele a tira para dançar. Beijam-se, abraçam-se. Ela o afasta um pouco com as mãos, puxa-o para sentar no sofá:
- Não tem nada para me contar?
- Não. Deveria?
- Tem certeza? Como foi seu dia ontem?
- Normal. Por quê?
- Não fez nada diferente?
- Não. Foi um dia de trabalho como outro qualquer.
- Conheci Sônia.
- Que Sônia?
- Sei de tudo.
Ele se recosta no espelho da cama, o sangue fugindo no rosto.
- Foi bom o tempo que passamos juntos. Pena que acabe assim.
- Gosto de você. De verdade.
- De mim e de quantas mais?
- Não fala assim. Tanta mágoa na voz me apunhala o coração.
- Que coração? E o que você fez comigo?
- Não era para você saber. Não queria que sofresse.
- Quer dizer então que se eu não soubesse estaria tudo bem?
- Não estava enquanto não sabia?
- Você foi desonesto. E está sendo cínico.
- Desonesto? Cínico? Isso dói.
- Não acredito no que estou ouvindo. Depois de tudo ainda se faz de coitado? E eu que te achava um bom caráter.
- Estou sendo sincero.
- E quanto a Sônia?
- Também gosto dela. Quem havia de imaginar? Não acredito como isso tudo aconteceu.
- Você não gosta de ninguém.
Desde cedo, repassava uma e outra vez os seis meses que estiveram juntos e os acontecimentos dos últimos dias. Entendia a falta de tempo para se encontrarem mais amiúde. Afinal, era casado. Isso nunca tinha escondido. Dizia que ainda morava com a mulher por causa das filhas. Ela sabia que era conversa.
O trabalho tomava-lhe a maior parte do tempo. À noite, a atividade física. Em casa, as filhas a demandar supervisão. A mais velha, um poço de insegurança. Levava-a junto para malhar. Meio gordinha, tinha vergonha de ir só. A mais nova, rebelde, andava mal na escola. Tudo indicava que não passaria de ano. Quantas vezes ligou, estressado, desabafando sobre as dificuldades com as duas? Uma vez por semana, chopinho com os amigos. Ajudava a lidar com o estresse. Sábado, domingo, feira, mercado, idas com as filhas ao shopping. Para dificultar ainda mais os encontros, moravam em pólos opostos da cidade. Mas também não estava louca para casar. Até que não era das piores relações. Apesar de se verem pouco fazia-a sentir-se especial. Ressentia-se de ocupar tão pouco espaço na vida dele, mas quando estavam juntos esquecia de tudo. Era perfeito, principalmente na cama.
Outro dia, enquanto retocava a maquiagem no banheiro de um restaurante, conheceu uma moça. Solta, inteligente. Acabaram trocando telefones antes de pagarem a conta e se despedirem. Marisa não pensou em ligar. Anotou mais por delicadeza.
Algum tempo depois Sônia telefonou, precisava conversar com alguém. O casamento andava mal. O marido, desempregado, vivia taciturno, irritadiço. Parecia não se interessar mais por ela. Desanimada, achava difícil resgatar a relação.
Marisa ouviu, confortou, aconselhou. Sugeriu conversas, jantares, filhas na casa da avó uma noite ou outra, camisolas provocantes. Nada parecera fazer muito sucesso. Sônia até já pensava em separação.
Voltaram a se falar outras vezes. Marisa partilhava o entusiasmo com a atual paixão. Falava do milagre, não dizia o nome do santo.
Sônia mencionava um amigo. Daqueles amigões mesmo. Dava-lhe o ombro para chorar, conselhos, apoio moral, até lhe emprestava dinheiro. Com duas filhas para criar, marido desempregado, passava lá seus apertos, não podia se fazer de orgulhosa. Contou que a estava assediando para que saíssem juntos. Também era casado. Bem que se sentia atraída, tentada. Até que o marido estava merecendo, mas não tinha coragem de traí-lo. Confessava-se dividida.
- O que você acha, Marisa?
- Prefiro não opinar. É uma questão muito pessoal.
Sempre que conversavam, a troca de idéias desaguava na questão de aceitar ou não os convites do amigo.
Na noite anterior telefonara outra vez, excitada, radiante:
- Que bom falar contigo. Não sabe o que aconteceu essa tarde.
- Pelo astral, algo muito bom. O marido conseguiu emprego?
- Nada. É que hoje finalmente botei os escrúpulos de lado e resolvi sair com meu amigo.
- E aí, valeu a pena?
- Não imagina o quanto. O cara é tudo de bom na cama. E é um cavalheiro. Levou-me flores, foi delicado, super atencioso. Sei não, amiga. Acho que vou dar um novo rumo à minha vida. Parece gostar de mim de verdade.
- Então está confortável na situação.
- Para ser sincera nem um pouco. Sinto-me culpada. Mas não posso continuar num casamento que já está tão desgastado, ainda mais agora gostando de outra pessoa.
- E quanto a seu amigo também ser casado?
- Não sei. Do jeito que me trata acho que consigo conviver até com o fato de ser a outra.
- Estou feliz por você então. E as meninas? O trabalho?
- Tudo sob controle. Mas amiga, sou muito egoísta. Falo de mim, de minhas tristezas e alegrias e nem para perguntar de você. Como está? Como vão as coisas do coração?
- Ah, andaram meio estranhas. Ele passou duas semanas sem arranjar tempo para nos encontrarmos. Ser a outra não é fácil, pense nisso. Já estava até me acostumando à idéia de deixar as coisas esfriarem, parei de procurá-lo. Antes de ontem me ligou todo eufórico, dizendo que teríamos bastante tempo para ficar juntos. A mulher viajou de férias com as duas filhas. Poderemos finalmente passar uma noite inteira juntos. Combinamos de nos encontrar amanhã.
- Disse que a mulher dele viajou de férias com as duas filhas?
- Sim.
- Qual é a idade delas?
- Uma tem treze e a outra, dezesseis. Por quê?
- Para onde elas viajaram?
- Falou que para o Rio de Janeiro, onde a sogra mora. Mas que interrogatório é esse? Por que esse tom de voz tão sério de repente?
- Como é o nome dele?
- Desculpe mas o nome não vou dizer. De repente você o conhece. Pode até ser amiga da mulher dele. Ia complicar. Não me leve a mal.
- Preciso saber.
- Por que a insistência? Estou começando a ficar apreensiva. O que está lhe passando pela cabeça?
- Acho que estamos falando da mesma pessoa.
- Não, está delirando.
- O meu tem duas filhas exatamente da mesma idade e me disse que a mulher tinha viajado em férias para o Rio, onde a avó delas mora. Me diz só o número do celular dele.
- Não é possível. Será? Não posso acreditar. Agora também preciso saber. Mas não quero expô-lo na dúvida. Dizer o número do celular seria o mesmo que dizer quem é. Tem que ter outro jeito de checarmos.
- Olha, também não tenho o menor interesse em me expor ou ao meu amante, mas seja o que Deus quiser. Digo o número e você só me confirma se é o mesmo ou não.
A cada algarismo que coincidia, Marisa ia desmoronando na cadeira. Enquanto procurava se refazer, falou onde ele trabalhava, descreveu-o fisicamente. Sônia, ia confirmando cada informação. Finalmente o nome. Não havia mais dúvida, tratava-se da mesma pessoa.
- Marisa, estou sem chão.
- Como é que pode?
- Ele soube fazer a coisa.
- Sinto-me uma idiota.
- Entendo o que quer dizer. E agora, o que vamos fazer?
- Vou contar que sei de você.
- Está certa, temos que desmascará-lo. Ainda tem coragem de se encontrar com ele?
- Preciso. Não acredito em tanto cinismo. Quero ver até onde sustenta a farsa.
- Estou desorientada. Não saberia o que fazer no momento. Além do mais não posso me dar ao luxo de simplesmente romper com ele. É meu colega de trabalho, e ainda devo parte do empréstimo que me fez. Pretende continuar?
- Não. E você?
- Não sei ainda. Acho que apesar de tudo estou apaixonada.
- Faça como quiser. Para mim terminou mesmo, fique à vontade.
- Não tenha raiva de mim.
- Raiva de você? Por um momento cheguei até a achar que fosse a mulher dele inventando essa história toda para me tirar da jogada. Mas, não. Aí então é que seria loucura total. Seja de que modo for, você é mais uma vítima.
- Como pode estar tão calma?
- Deve ser estado de choque.
- Te cuida.
- Vou sobreviver, não se preocupe. Boa sorte.
A voz de Flávio a traz de volta.
- Marisa, por favor, me escuta. Você está tão distante, tão fria, fala alguma coisa, me xinga, mas não fica assim.
- Acho que não temos mais nada a conversar. Gostaria que fosse embora.
O tom de voz não admitia réplicas. Vestiu-se, caminhou até à porta. Voltou-se apenas para vê-la retirando os pratos da mesa como se ele não existisse. Saiu. Ela jogou-se no sofá, abraçou uma almofada, ligou a TV e ficou a olhar para a tela, as lágrimas descendo pelo rosto contra a vontade.
Sônia ainda ligou algumas vezes. Marisa via o número no identificador de chamadas e deixava tocar. Um dia na praia, lendo recostada na espreguiçadeira, levantou os olhos e achou que reconhecia o corpo de sunga que passava caminhando. Era ele sim. O coração ainda estremeceu. A amiga ao lado a cutucou mostrando o pedaço de mau caminho. Sorriu e tentou se concentrar outra vez na leitura. Um parágrafo depois tirou os óculos e fechou o livro, pensando no azar que Flávio dera. A história toda chegava a ser cômica. Se contasse, ninguém acreditaria.
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