Vladimir procurava um sinal; qualquer um que abrisse a mente da colega dos tempos de faculdade. Uma recente perturbação drenava a vitalidade de Marisa nas últimas semanas. Deixara de aventurar-se nas noites dos fins de semana, dizendo que havia um importante projeto em andamento e que não havia como parar. Mesmo aquele singelo passeio no parque só pôde ser concedido após horas de insistência.
Caminhavam em silêncio, em um vácuo tão desolador que Vladimir sentiu a necessidade dar a primeira palavra.
-Como vai aquele projeto em que estava trabalhando? Tudo bem?
-Mais ou menos – respondeu após alguns segundos – Estou pensando em desistir.
-Por quê? Você esteve trabalhando nele todo esse tempo. Sobre o que é?
Marisa arrancou uma folha de um arbusto próximo, como se tentasse arranjar um tempo para pensar na resposta. Disse, enquanto a esmagava entre os dedos:
-Ainda não posso dizer. Mas é algo grande, que vai mudar toda a minha vida. Para a melhor, talvez.
-Então por que está pensando em desistir? Continue, oras! Se precisar de alguma ajuda, sabe que estamos aí pra isso. Amigos não servem só pra bebedeiras, você sabe. Mesmo que seja só pra te apoiar.
-Obrigada... Mas sei lá... Talvez não dê certo. É que estou quase terminando, na reta final mesmo. Mas agora que cheguei tão longe, fico me perguntando se realmente vale prosseguir. Acho que é o frio na barriga, nervosismo de última hora... Sei que as coisas vão melhorar.
-Ah, isso é normal. Continua sim. Vê se acaba logo com isso pra gente sair. Você vai ver, as coisas sempre são certo no final. Já que você se esforçou, tenho certeza de que vai dar. Depois você nos conta sobre o que era esse projeto e a gente comemora em algum lugar.
O tênue sorriso que surgiu nos lábios da mulher pareceu, à primeira vista, a felicidade de saber que havia amigos que se preocupavam com ela e que a apoiavam. Assim foi a interpretação de Vladimir.
O dia seguinte, porém, revelou qual era o “projeto” de Marisa: uma simples desculpa para isolar-se do mundo e perguntar-se se valeria à pena deixar de respirar. Quando o amigou se aproximou da residência dela, deparou-se com as faixas que isolavam a fachada e os familiares que choravam entre as viaturas da polícia.
As palavras de incentivo do dia anterior continuavam a ecoar em sua mente. Sabia que o assombrariam pelo resto da vida.
