MULHER BONITA
UM PEDAÇO DE MATÉRIA BEM ORGANIZADA
Crónica urbana
Juan de la Ville
2 de outubro de 2004
Os três amigos se reuniram para beber chope no fim de semana. Eram colegas de trabalho e aproveitavam estes encontros para descontrair.
Normalmente contavam anedotas e lembravam os bons momentos da burocracia federal que fazia o seu dia-a-dia na Esplanada dos Ministérios. Estavam no Pontão, um dos pontos mais agradáveis de Brasília, na Península Sul. Junto ao lago, tinham o privilégio de desfrutarem de uma das mais belas paisagens da capital federal. Olhos vagueando pelo infinito. A moldura dos clubes na outra margem. Os carros deslizando na Avenida das Nações.Os iates, os jet-skis e os veleiros fazendo o pano de fundo do movimento do lago. Um sol muito gostoso. E eles ali, matando o tempo, numa boa!!!.
Pouco a pouco, as mesas ao ar livre iam sendo ocupadas, com algumas beldades mostrando ao que vieram, num desfile claro de bom gosto de arranjo e de produção.A cada movimento de novos grupos, um olhar furtivo dos três e o recomeço da conversa que rodava em alta velocidade.
Observando uma bela garota que beiraria os dezoito anos, Márcio ficou vidrado com a imagem da jovem beldade. Achava ela perfeita e comentou com os colegas:
- Puxa! Olha ali. Olha só...Vou cegar. Nossa senhora! Vou sumir...Uma mulher dessas é para colocar no podium da Fórmula I!
Diga-se de passagem que os três eram bons apreciadores da beleza feminina.
Mas ao mesmo tempo, por serem brincalhões, partiram para a descontração, pois ainda estavam no início do espetáculo...
Foi nessa altura que Lúcio disparou:
-Tá bom, Márcio, é bonita, sim... Mas me explica um pouco o que é beleza para você... Um julgamento de beleza pode ser relativo...Temos exemplos seculares em que um sujeito fica vidrado por uma mulher decente sem que ela seja inteiramente bonita. Em termos, claro. Outros têm em casa a mulher bonita e não descobrem nada. O que é beleza, afinal?...
Os três tinham experiência nisso, apesar de jovens. Foram colegiais e acadêmicos e tiveram oportunidade de ver desfilar muita mulher bonita nos corredores do Inei, do Galois, do Maristão, do Ceub, do Iesb, do Minhocão, na UnB. Nos shoppings de Brasília, nos desfiles, nos Eixões, aos domingos e feriados, nos carnavais, na micarê candanga, nos shows do Mané Garrincha e do Autódromo de Brasília, sempre os recintos se enchiam de beldades. Eles tinham na cabeça um conceito de beleza. Não havia dúvida.
Mas o Júlio queria especular um pouco. Um pouco à maneira de Sócrates, queria obrigar os colegas a aprofundarem e a dizerem explicitamente o que achavam que era beleza. Por outras palavras, queria saber quando é que se diz que uma mulher é bonita.
Benitez, o terceiro colega do Pontão, que esteve calado até ali, foi o primeiro a falar.
-O que é beleza? - disse para se certificar.
-Sim, o que é beleza, respondeu Lúcio.
- Em primeiro lugar, disse Benitez, beleza é um substantivo abstrato. Falar abstratamente de beleza é falar de coisa nenhuma...
- Os outros riram, achando que ele queria fugir da questão.
-A beleza não existe em si mesma, continuou Benitez. Beleza é uma abstração. E eu provo para vocês. Bonitos são os objetos e as pessoas. Bonita é a Carolina, a Beatriz, a Rose, a Paula, a Auriane, a Pilar, a Cristina, a Aline, a Maria da Guia, a Cristiane, a Mirella, a Sumaia, a Giselle, a Guida, a Neila, a Vanessa, a Idelísia, a Marineide, a Angélica, a Michelle, a Poliana, a Cida, a Elisa e tantas outras. Haverá em concreto um conjunto de qualidades que tornam estas mulheres bonitas. Alguém concretamente é bonita. Não há beleza senão nas pessoas e nas coisas.
-Você está me dando razão, Benitez, disse Márcio. Estou falando daquela garota ali, que é um espetáculo..
-Tudo bem. Mas eu também gostaria de saber o que é beleza.
-Para mim, continuou Márcio, beleza é aquele rosto, são aquelas pernas, aqueles lábios, aqueles cabelos, aquela cintura, aqueles peitos, aquele queixo, aqueles olhos, aquele jeito de andar, aquela maneira decidida de ser,aquela ternura, aquele sorriso estonteante e dominador, aquele todo unitário que seduz meus olhos...
- Talvez não fosse apenas por romantismo ou por ouriçamento que Márcio dava aquela descrição do objeto de seu desejo. Entre a maioria das pessoas, o caminho escolhido por Márcio seria um caminho para definir a beleza... Um caminho concreto. Algo que pode ser observado, que pode causar emoção, sentimento, surpresa, paixão...
-Interessante mas é um caminho descritivo, apenas, disse Júlio. Descritivo, embora muito romàntico.
-Temos de ir mais longe, temos de encontrar alguma coisa mais básica, que não seja muito diferenciada nem tão variável, disse Benitez. Para muitos a beleza não tem nem sexo.Mas para outros a beleza feminina tem de ser extremamente sensual e sexual...
Os três amigos estavam entrando no ponto crucial da discussão...
-Nisso está a dificuldade da questão que nos propusemos, ao querermos descobrir a essência da beleza...
Se olharmos o êxito das modelos que desfilam nas passarelas, nem sempre o corpo balançante da modelo é sensual. Nem sempre é tão harmónico assim. Mas é modelo...normalmente jovem e dotado de qualidades para vestir grifes...
-Eu tenho um conceito de beleza, interferiu Júlio e é a ele que me apego! Foi dado pelo meu antigo professor de biologia. Ele dizia que mulher bonita é um "pedaço de matéria bem organizada"! Não sei se a definição do professor é muito corporal ou muito anímica! Sei apenas que ela tem uma vantagem. A vantagem é que ela não permite diferenças nem desce a detalhes. É simplesmente a "harmonia da organização que se destaca no corpo"! Se o corpo em sua globalidade está excelentemente em equilíbrio e mostra perfeição como um todo organizado, é belo.
-Nos outros conceitos de beleza há a variedade. Uma mulher se destaca pelas pernas bonitas, outra pelos seios, outra pelo rosto, outra pelos quadris, outra pelo olhar, outra pelos cabelos. Uma condensa maior densidade de beleza, outra menos densidade de beleza... Nem todas as mulheres belas são, em si mesmas, um "pedaço de matéria bem organizada". Por isso mesmo, nem todas as mulheres bonitas têm necessariamente, em sua globalidade, um corpo excelente...
-Sobra sempre um enorme espaço para os conceitos de beleza corporal e espiritual, disse Márcio. Mas acho que quem conseguir mostrar, de maneira humana, como "um pedaço de matéria bem organizada" pode também conter finos vestígios de profundidade anímica e espiritual, terá atingido o mais alto nível de beleza, concluiu o ainda atónito Márcio, que continuava dando prioridade ao belo corpo que ostentava sua garotona, logo ali, ao lado.
|
