De OLHOS ABERTOS, ao pé da escada
Dia após dia, a menina vizinha olhava aquelas cortinas cerradas como a vida do lado de dentro: casulo que não se abria, não tecia fios de seda, não desvelava asas finas, transparentes, coloridas a voejarem livres em direção do horizonte.
No arremate de cada tarde, a sombra de uma pequena silhueta espreitava através da janela o vento que se espargia lá fora.
Os cabelos da jovem sentada ao pé da escada esvoaçavam, emaranhando os fios, enquanto apanhava folhas secas que se desprendiam do tronco-mãe, na terna despedida do verão. Guardava-as uma a uma, numa caixa de madeira talhada com mãos de artista.
Era uma cena ímpar e melancólica. As folhas não alcançavam o alto daquela janela, os sonhos passavam distante, o sorriso era estreito, sem a mínima chance de se alargar.
Já era quase noite, quando a campainha anunciou sua presença em meio à ausência de qualquer outro som.
Envolta em laço de cetim bege, adentrou a caixa de folhas secas. A caixa que outrora havia acolhido objetos preciosos de sua avó.
Numa mão, a doce menina vizinha fazia reverência aos retalhos do esplendor da natureza, na diversidade de formas e tons de marrom. Na outra, à vida, representada por um vaso de minúsculas violetas aveludadas para serem apreciadas a cada amanhecer e cuidadas com muito carinho, para não perecerem.
Tão-somente o início da cor da vida, a entrar para o lado de dentro.
Heleida, fevereiro de 2007 |