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Artigos-->Pode um comunista ser democrático? -- 30/10/2002 - 12:56 (Don Pixote de la Pança) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Pode um comunista ser democrático? Gramsci em questão



*Ademar Xavier



No início dos anos oitenta, havia uma discussão acalorada no âmbito da teologia cristã. Mais intensamente entre teólogos católicos: poderia um cristão ser marxista? Para frei Beto e o então frei Leonardo Boff a resposta seria com um ruidoso sim. A teologia da libertação impregnada de marxismo vulgar, proferida por eles, estava no auge. Mas os mais destacados teólogos da cristandade, no Brasil e pelo mundo afora, diziam, com argumentação profunda, que o cristianismo e o marxismo se oporiam não só em conceitos e princípios centrais mas também no não-essencial. Embora aqui no Rio Grande do Sul ainda tenhamos um governador do PT que se diz marxista-cristão. E isto não é piada - é a mais pura heresia.



Pois bem. Lembrei-me desta passagem no universo do debate teológico por alguns motivos. Um, porque entendo o marxismo como algo muito próximo da fé teológica. Foi o primeiro sistema da fé formalmente secular a tornar-se uma religião mundial e uma ideologia de Estado para um número considerável de governos, alguns de grande importância, e um deles um superpoder militar-totalitário (a ex-URSS). O fracasso de uma religião secular (o marxismo) não significa a morte da fé, que pode se reproduzir doutra forma ou em nova variedade (Gellner, 1996). Outro, porque analisar o marxismo ocidental de Antônio Gramsci faz surgir a seguinte indagação: pode o comunismo (marxismo) ser democrático? Eis uma questão interessante a explorar. Por fim, Gramsci é tido pelos intelectuais (não) marxistas como um santo do marxismo ocidental. Uma figura inteligente, calorosa, ética, humana, voluntariosa e aureolada pelo martírio nas mãos da reação fascista.



Nascido numa família de pequena burguesia sarda em 1891, Gramsci obteve uma bolsa e estudou filosofia em Turim que, ao término da 1ª Grande Guerra Mundial, era o berço do socialismo italiano, em meio a um forte operariado urbano. O jovem Gramsci entrou para o partido socialista e com seu amigo Palmiro Togliatti, lançou um semanário radical, "Ordine Nuevo", muito disseminado e lido no ambiente sindical. Em 1921, indignado com a timidez dos socialistas frente aos movimentos grevistas em curso, Gramsci ajuda a fundar o PCI - Partido Comunista Italiano (Caderno Mais, 1999).



Encontrava-se em Moscou, a serviço do Comintern, quando os fascistas tomaram o poder, em 1922. Dois anos depois, foi feito líder político do PCI e, em 1926, foi condenado a vinte anos de prisão, por motivo político, pelo governo de Mussolini. Sempre doente, cumpriu grande parte da sentença no hospital. A principal contribuição de Gramsci ao debate teórico encontraremos nos seus “Cadernos do Cárcere”. Há trinta e três deles, cobrindo bem mais de 2000 páginas. Os cadernos foram retirados secretamente da clínica em que ele morreu e enviados para Moscou (ex-URSS).



Gramsci era comunista, refletiu sobre as condições da revolução socialista no que chamou de "Ocidente" (países democrático-capitalistas com vigorosa sociedade civil), propondo um novo programa de ação revolucionária, numa estratégia diversa da utilizada com êxito pelos bolcheviques liderados por Lênin na Rússia de 1917.



Gramsci percebeu uma mutação no ser social capitalista, fazendo surgir, ao final do século 19, a esfera das auto-organizações do que ele chamou de "aparelhos privados de hegemonia". São os partidos de massa, os sindicatos, as diferentes associações, a Igreja, as escolas etc. Ele deu o nome a essa nova esfera (do ser social burguês) de "sociedade civil". E insistiu em que ela faz parte do Estado em sentido amplo, onde há relações de poder. Por Estado ele entende instituições públicas como o governo, os tribunais, o exército e a polícia.



A sociedade civil, em Gramsci, é uma importante arena de luta de classes: é nela que as classes lutam para conquistar a hegemonia. No Ocidente, diz Gramsci, o Estado era apenas uma "trincheira avançada" numa formidável rede de fortalezas - o complexo mundo social, econômico e cultural de uma forte e complexa sociedade civil. Na Rússia Imperal pré-revolucionária, ao contrário, o Estado era todo-poderoso e a sociedade civil, uma "gelatina" sem substância.



Por conseguinte, no Ocidente, a luta revolucionária teria de ter outra estratégia. Uma estratégia não-leninista. Se Lênin teve êxito num ataque frontal, numa "rápida guerra de movimentos" na sociedade russa, o socialismo revolucionário no Ocidente teria de travar uma "guerra de posição", complexa e sutil. A classe trabalhadora e seus aliados precisariam conquistar primeiro a hegemonia. O predomínio social deveria preceder a dominação política. A tomada do poder poderia sobrevir então como a culminância dum processo revolucionário prolongado (Merquior, 1986).



Para Gramsci, a classe operária só chegaria ao poder total depois que os "intelectuais orgânicos" tivessem logrado dissolver a hegemonia burguesa existente. Graças a Gramsci, os intelectuais receberiam uma missão: a de difundir uma nova concepção de mundo. Receberiam igualmente um cargo: o de funcionários da superestrutura. E um espaço de atuação: a sociedade civil, como vimos, atravessada por instituições como a família, a Igreja, a escola, a universidade, o jornalismo, a rádio e, hoje, a televisão. Os ideólogos orgânicos são os organizadores da hegemonia.



Para Gramsci, a classe dominante, por vezes, na história, provocaria a "revolução passiva", uma modalidade autoritária e algumas vezes até ditatorial de transformação, utilizada pela burguesia para conservar o seu poder, no espírito do dito populista: façamos a revolução antes que o povo a faça. Assim foram para ele o fascismo (na Itália) e o fordismo (nos EUA).



Hoje verificamos na mídia e no debate acadêmico, bem como na arena política, uma certa gramscianização de boa parte da esquerda brasileira a partir do início dos anos 80. Neles constatamos o uso efusivo de expressões como "intelectual orgânico", "bloco histórico", "hegemonia", "consenso" e "filosofia da práxis". Isto se deve ao fato de que a estratégia revolucionária marxista-leninista se mostrou inadequada a países com democracias-capitalistas efetivas. E Gramsci é referência essencial (hoje) para parte da esquerda e centro-esquerda brasileiras, do PSTU (trotskista) , ao PPS (ex-PCB), passando pelas correntes do PT.



Gramsci revisou o leninismo. Fez uma revisão ampla, mas que não levou a uma visualização pluralista de sociedade. Todos os grandes analistas do ideário de Gramsci concordam que ele não formulou concepção alguma explicitamente pluralista do poder socialista. Nem chegou a conceber uma partilha do poder com outros partidos.



Uma parte significativa dos “Cadernos do Cárcere” traz o título: "Notas sobre Maquiavel". “O Príncipe”, de Maquiavel, como as obras completas de Marx, Trotski Plekhanov, Hegel e B. Croce ocupavam destaque entre trezentos livros da sua biblioteca pessoal no cárcere de Mussolini. Sabemos que Gramsci planejava escrever um "Príncipe Moderno". Para ele esse príncipe moderno, "o príncipe-mito", tinha de ser um ente-coletivo-político. Seria de fato o Partido Comunista, órgão de vontade revolucionária de classe. O partido daria racionalidade à política de massas. O partido, príncipe moderno, combinaria a força com a astúcia, o bastão e a cenoura. Subverteria o conhecimento pela retórica, a ciência pela propaganda ideológica e a ética pela ocasião. Tudo com muito pragmatismo e alianças táticas que permitiriam a estratégia política maior - a revolução marxista.



Lucio Coletti (ex-marxista) afirma que se, para Gramsci, não devia haver ditadura do proletariado sem hegemonia, tampouco devia haver qualquer hegemonia política comunista sem ditadura do proletariado (Coletti, 1983). Gramsci não estaria tão além de Lênin e nem tão aquém de Marx. Pois se tanto Gramsci como Lênin são marxistas, não fugiriam do atavismo que é inerente à teoria revolucionária de Marx, a saber: o processo de guerra civil. Portanto, é duro: mas um comunista autêntico não pode ser democrático.





Bibliografia



1 - GELLNER, Ernest. Condições da Liberdade - a sociedade civil e seus rivais. Jorge Zahar Editor, 1996.

2 - Caderno Mais, Gramsci Total, Folha de São Paulo, 21/11/1999.

3 - MERQUIOR, José Guilherme. O marxismo ocidental. Nova Fronteira, 1986.

4 - COLETTI, Lucio. Ultrapassando o marxismo. Forense-Universitária, RJ, 1983.



*Empresário. filósofo e associado do IEE – Extraído da Revista Leader nº 31 de 29/10/2002"

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