Van Grogue foi despertado naquela manhã de quarta-feira, as 6h30m por alguém que tocava com insistência a campainha.
Sua mulher chegou primeiro à janela e afastando a cortina, pôde perceber um homem em atitude de espera. Malu K. Grogue tomou então o telefone, assentado numa mesa de centro da sala e perguntou:
- Quem é? Quem está falando?
Grogue virou-se na cama e tentou imaginar quem seria o chato inconveniente capaz de perturbar àquela hora do dia.
Malu K. Grogue entrou apressada no quarto e disse ao marido:
- É seu amigo Bafão. Ele quer falar com você. Levanta rápido e atenda.
Van queixando-se em voz baixa maldizia a hora e a circunstância em que conheceu o chato.
Depois de se vestir, escovar os dentes e calçar rapidamente os chinelos Grogue atendeu o homem que já o aguardava na sala. Bafão disse:
- Desculpe, seu Grogue, mas está acontecendo um crime terrível em
Tupinambicas das Linhas e eu não poderia deixar de avisá-lo.
Grogue, ao sentar-se no sofá conteve um bocejo e fez pose de quem estava bastante interessado. Então Bafão continuou:
- Cinco pessoas afirmaram ontem, no bar da tia Lucy Nada, que o vereador Fuinha Bigoduda, desde há muito tempo, vem reservando vagas para internação nos hospitais da cidade usando nomes fictícios.
Grogue não entendeu bem e perguntou:
- Como é que é? Bafão então prosseguiu:
- É assim, seu Grogue: a clientela do vereador acostumou-se a recorrer a ele quando precisa de uma vaga de hospital ou atendimento especializado. O vereador prevendo o fato, passou a reservar em todos os hospitais vagas para leitos e exames especiais usando nome de pessoas fictícias. Quando solicitado por algum eleitor, ele substitui o nome falso colocando no lugar a pessoa eleitora sua.
Malu K. que ouvia a conversa simulando lavar pratos na cozinha, não contendo a curiosidade entrou na sala e mandou ver:
- Eu já ouvi essa conversa. Estou sabendo mais ou menos sobre o caso. Inclusive já sei quem fez a denúncia.
Bafão surpreso com a entrada inopinada de Malu perguntou quem seria a pessoa. Malu então respondeu:
- É um homem alto, muito magro, bastante velho, tem um bigode fino, que mais parece uma mancha de sujeira, canelas secas e descoradas, e que mora na esquina da rua de baixo.
Grogue não se conformou com a interrupção da conversa e usando ironia com a imprecisão da mulher, quis saber mais detalhes do assunto. Perguntou então a Malu:
- Não é aquele pelancoso que mora na casa, que fica ali perto, subindo a rua onde tem prédios, dos dois lados, e antena de tevê na parte alta do telhado? Malu percebeu, pelo tom da fala que não era bem vinda ao colóquio.
Grogue sentiu que o afastamento de Malu causou um certo constrangimento em Bafão. Então Van tentou corrigir:
- Não liga não Bafão! Tem dias que ela confunde tudo. Alemão vira limão e limão lê mão. Mas, prossiga. Existem provas de que a ratazana velha de câmara municipal está envolvida na falcatrua?
De volta à cozinha Malu sentia-se bastante contrariada. Com birra, e só para contrariar, ela ligou o rádio em volume suficiente para atrapalhar a conversa dos dois lá na sala.
Bafão se preparava para responder a pergunta do amigo quando ouviu: “Lula! Lula é o papai Noel dos pobres!”
Bafão reagiu em tom muito baixo:
- Lula é capaz de entregar o ouro aos bandidos. Já entregou a Petrobrás para o amigo da serpente na Bolívia...
Van Grogue impaciente provocou:
- E então? Alguém tem provas de que a Fuinha Bigoduda corrompe o sistema de saúde no município?
Bafão foi categórico:
- Há no mínimo cinco pessoas dispostas a confirmar os fatos.
Grogue arrematou:
- Bom, então é só registrar boletim de ocorrência. Isso é crime. No mínimo falsidade ideológica. Avisa também o pessoal da imprensa. O E. Mail é ávido por esse tipo de coisa.
Dando o assunto por encerrado Van levantou-se e para conduzir a visita até a porta puxou outro assunto.
- E o Esporte Clube 7,5 de Novembro, como vai?
Bafão respondeu:
- Sempre mal. Enquanto não trocarem a presidência, o time não decola. A agremiação precisa de alguém que ame o clube desde a década de 40, que fale bem dele no rádio e que escreva sobre ele nos jornais. O clube precisa de alguém apaixonado mesmo. Alguém que faça homenagem póstuma aos grandes fãs defensores do time.
Grogue concordou:
- Tudo bem. Nada contra. Desde que o candidato apaixonado não seja daqueles que confunde cientista político com dentista político. E que não tenha como verdadeira a assertiva “se homem fosse dinheiro, baixinho seria troco.”
Quando os interlocutores se aproximaram do portão puderam ver o doutor Fráuzio Magrela que de bermuda branca, camiseta vermelha e preta, conduzia seu poodle pela calçada àquela hora da manhã auxiliando-o na exoneração dos intestinos. O doutor foi cumprimentado e retribuiu a gentileza.
Bafão perguntou:
- Será que o Flamengo vence o Madureira hoje? Grogue respondeu:
- Com certeza será o campeão da taça Guanabara.
Os amigos se despediram. Quando Bafão tocou na maçaneta do seu carro sentiu algo pegajoso. Imaginou mil coisas Mas encheu-se de coragem e levou a meleca ao nariz. Era pasta de dente. Ainda bem! Que alívio!
Mas ao sentar-se e preparar a partida viu uma folha impressa em computador, colocada perto dos pedais. Havia uma foto de túmulos do cemitério da cidade e logo abaixo um texto que dizia assim:
“Aqui jazem os meus ossos, neste campo de igualdade; estão à espera dos vossos, para quando Deus tiver vontade. Ó vós mortal que me vês, olhe bem como estou: eu já fui como tu és e tu serás como sou!”
Tentando imaginar quem poderia ter aberto o carro e colocado ali aquela mensagem, Bafão viu desesperado que Grogue já fechava a porta da sala.
