- Sinto muito, mas não tenho outra opção.
- Como não tem? Claro que tem!
- Não, não tenho. Infelizmente preciso te deixar ir!
- Me deixar ir!? Eu não quero ir! Você está me mandando embora!
- Não é assim! Não tente inverter as coisas! Só piora tudo!
- Piora o que? Piora pra quem? Onde estou invertendo alguma coisa? Você está dizendo que eu fui demitido, inverter as coisas seria me promover! E como posso piorar as coisas? Demissão é o limite! Pior que isso você não consegue fazer, só se me bater, ou me fizer ir embora sem roupa!
- Piorar pra mim Alberto! Você está tornando esse papo muito pior para mim!
- Então eu deveria te poupar? Economizar sua saúde mental, tranquilizar você!? Você me demite, me coloca no olho da rua com quarenta e seis anos de idade e quer que eu alivie pro seu lado? Devo pedir desculpas pelo incómodo e me retirar de costas, fazendo reverências?
- Para com isso Beto! Póxa vida! Que coisa!
- Para com isso? Paulo, você me conhece há doze anos, trabalha comigo desde a época em que tinha espinhas na cara. Ser demitido é normal, acontece! Agora ser demitido injustamente e abaixar a cabeça é uma situação que não vou passar! Você está arruinando minha vida!
- Como? Não fale isso! É covardia colocar as coisas dessa maneira!
- Covardia? Covardia eu imagino ser um sujeito demitindo um bom funcionário, honesto, correto, capaz, fiel e esforçado, só para preservar o seu espaço na empresa. Covardia é me mandar embora sem dizer porque. Covarde!
- Já está ficando bravo o papo aqui! Você sabe porque está sendo demitido.
- Se sei é porque você é um incompetente, que não tem coragem para enfrentar seu chefe e lutar pelo emprego de seu braço-direito, que carrega o departamento nas costas sem chiar. Covarde porque prefere me deixar morrer a fazer a sua parte e defender a qualidade do trabalho que lhe é confiado. Enoja saber que você tem inúmeros argumentos para me manter aqui, mas prefere se calar e atender ao chefe de forma servil. Você sabe que seu chefe é tão covarde quanto você, e como é pouco capaz de gerar resultados que atendam ao apetite da empresa, decide mostrar serviço reduzindo despesas, o que acarreta em demitir, em enxugar o quadro. E para isso decide demitir alguém que ganhe bem. Esse alguém, que por acaso sou eu, ganha bem porque trabalha direito, é fiel, e cumpre o que lhe pedem, sempre de forma crítica e seletiva, o que garante qualidade no resultado e recheia com argumentos tudo o que é e o que não é feito na área dele. Mas isso pode fazer dele um cara que incomoda, embora traga resultados. Você não, você não incomoda, nem um pouco, pois da sua boca sai mais amém que expiração. E não se iluda, o próximo da fila é você pois, afinal de contas, sem alguém para fazer o trabalho braçal por aqui você passa a ser o chefe de nada, o gestor de coisa alguma. E botar a mão na massa agora é andar pra trás nessa sua carreira construída sobre o suor alheio.
- Caramba Alberto! Você está enlouquecido! Saiba que você me ofendeu!
- Enlouquecido? Estou emputecido, e desempregado! E saiba você, panaca, que você me demitiu! Meu filho te chama de tio! Vou dizer pra ele que aquele tio da empresa me mandou ficar em casa e não trabalhar mais, e decretou que esse ano não terá natal.
- Alberto, eu posso lhe ajudar em uma recolocação, te indicar para alguns amigos.
- E explicar que não sou bom o suficiente para trabalhar com você, mas devo servir para eles. Olhe bem, hein, desse jeito você vai conseguir ficar sem amigo nenhum. Vai acabar ficando amigo do seu chefe e reescrever esse pastelão que estou vivendo quando ele lhe enfiar a bota no traseiro.
- Alberto, eu entendo sua raiva, é normal. Mas sei que, serenados os ànimos, você vai se dar conta que o lucro da empresa caiu no mundo todo no último exercício e essa reestruturação é inevitável. A estrutura estava muito pesada, os investidores analisam isso o tempo todo. O mercado é implacável!
- O lucro diminuiu!? Quer dizer que a empresa está ganhando menos e eu passando a ganhar nada! Interessante.
- Você sabe que...
- Sei que a reestruturação está amputando os braços da empresa e mantendo as tais cabeças. E como a cabeça vai fazer alguma coisa acontecer sem os braços? Telecinesia? Quem tinha que perder o emprego é você e não eu. O mercado vai acabar percebendo isso e vai te puxar o tapete. Sabe como é, ele é implacável!
- Ta bom, ta bom, você está alterado, depois..
- Alterado não, desempregado, demitido, no olho da rua, improdutivo involuntariamente, sacaneado, traído, chutado, esculachado, pra dizer só o que veio à mente de sopetão.
- Eu vou te ajudar. Quando a poeira baixar você me procura e a gente traça um plano para te recolocar no mercado.
- Quando a poeira baixar meus filhos vão estar com fome e eu com mais raiva ainda! Até hoje eu aceitei, acertei e consertei os planos que você traçou porque era minha obrigação. Eu ganhava para isso. Agora, trace seus planos e vire-se com eles. Se depender dos planos que você traça para minha sobrevivência, prefiro tocar violão no metró.
- Não sou eu, não se trata de nós nessa estória. É o país, a situação da economia, a globalização, o momento está super difícil para todos. Pense positivo! É um obstáculo a mais, mas não é o fim do caminho! Você passa por isso jajá.
- Pode ser mesmo. De repente a culpa é do sistema, da globalização inevitável, da economia porca, do país eternamente ladeira abaixo. De repente a culpa é de uma confluência imensa de fatores incontroláveis daqui debaixo. Mas eu vou ficar com raiva é de você mesmo, seu covarde, passivo, cachorrinho de madame! Eu vou botar a empresa no pau!
- Isso é ruim! Te queima no mercado!
- Ruim pra quem? O mercado já é implacável e não vai com a minha cara mesmo. Eu já estou me ferrando por causa dele, e de você. Pior não fica!
- Ta bom! Então ta, me procure depois!
- Vou contar tudo pra sua mulher. Tudo o que sei de você ela vai saber! Vou dar o troco!
- Você não sabe nada de mim! Que ridículo!
- Se eu não sei nada, você não precisa temer. Só vou contar a ela o que sei.
- Isso é chantagem! Que sujo!
- Sujo é mandar um pai de família pro olho da rua! E mais, chantagem é ameaçar alguém em troca de algo. Eu não estou te pedindo nada! Isso, no caso, é vingança, pura e sem gelo!
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