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Contos-->Limpeza pesada -- 23/04/2007 - 20:27 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A camisa de microfibra colada na pele em suor nem incomoda mais. O peso da pasta de couro repleta de contratos por assinar também já foi esquecido. Se o elevador pudesse reclamar com voz de cabos de aço retesados, talvez tivesse alguma queixa sobre o peso do homem que aperta o botão do sexto andar. O sujeito parece carregar mais que uma barriga de chope e umas papadas. Esse senhor de meia-idade, idade e meia, meia social e sapato meia-sola, como tantos que apertam botões em tantos outros elevadores da cidade, ansiosos por sofás e colchões ortopédicos, tem toneladas de sabe-se lá que chumbadas sobre as costas ou talvez grudadas com solda nos ossos. Elevador não reclama e o passageiro segue transpirando até desabar no hall tão esperado. Um alívio para as engrenagens que puxam a cabine de volta para o térreo.
Nem bem abre a porta da sala pequena e o homem já traça uma reta um tanto tonta pelo corredor até o quarto, direto ao banheiro com ducha. As roupas devem ter ficado em algum lugar entre a porta de entrada e o vidro do box e o streap tease foi certamente ou rápido ou discreto que nem registro ficou. A água já escapa do cano de metal e cai sobre as costas nuas do homem.
Hora mais esperada do dia! Banho demorado, nem frio nem quente, com água brava a chiar no lombo! Um alívio para uma jornada de aporrinhações de chefes sem fim. Chefes-diretores, chefes-supervisores, chefes-secretárias, chefes-clientes, chefes-ex-mulheres, chefes-filhos-mimados, chefes-vendedores, chefes-balconistas, chefes-motoristas-de-táxi. Mundo cheio de chefes e só ele subordinado! Tanta gente mandando e ele: sim, senhores... Em seu box não! Ali no metro quadrado úmido e mofado ele é quem manda. Se quiser prolongar os devaneios que sempre surgem na hora do banho, problema de quem? Mais sabão? Por que não? Xampu nos pentelhos? É pra já! Se esquecer de lavar as orelhas ou os pés, quem saberá? Ninguém. Somente na hora do banho o homem é dono de si mesmo.
A esponja novinha feita de bucha natural ainda exibe as sementes pretas. Esfregada com força, produz a espuma que corre pelo corpo sem tônus e, poderoso adstringente, elimina as impurezas da pele. Hoje parece que o sabonete vai mais fundo na profilaxia e consegue deixar o homem mais leve. Dos poucos fios de cabelo, em meio a bolhas, escorrega pelo peito do homem a figura gosmenta que é o diretor da repartição, levando com ele todas as cartas comerciais daquele dia. Os movimentos nas axilas liberam dois ou três clientes gordos como carrapatos que estouram em vermelho no piso branco e escorrem para o ralo. Ao dar conta das partes íntimas, o homem elimina do próprio saco a ex-mulher e um vizinho que ouve Kiss e Iron Maiden às três da madrugada. Ambos descem pela perna e, parece, iniciam um romance ardente e espumante antes de alcançar o tornozelo direito; perto da beira do ralo, já estão se matando a tapas. Colegas de trabalho e parentes saem dos poros com mais facilidade e explodem ao contato com as gotas. Vinte minutos e o homem está leve e pronto para algumas horas de TV e uma noite Lexotan de sono nu.
Três e trinta e três, acorda de um pesadelo. Via-se sujo, coberto de lama, enquanto caminhava pela Avenida Paulista. Cambaleante, em efeito do calmante, levanta-se da cama e resolve tomar outro banho para limpar-se da própria imagem enlameada, talvez uma água fria na cabeça quente. Quase desperto no box , incentivado pelo som da água correndo, inicia automaticamente o esfrega-esfrega com a bucha. Mas não há mais chefes, ou mulheres, ou vizinhos para limpar. Todos já foram eliminados na ducha de horas atrás. O homem não percebe o equívoco, seu cérebro ainda não funciona por completo. Continua o ritual de expurgação. Aos poucos, dissolve-se. Pele primeiro. Depois músculos. Órgãos e ossos. Sem sangue. Sem dor. Sem pressa.
Quatro e quatro e o coração do homem é o último a ceder à espuma. Numa pulsação final, derradeiro batimento, explode no ralo com uma grande bolha de sabonete hidratante: ploct! Pelo esgoto, acaba de descer, diluído em água morna o maior de todos os pesos do homem: ele mesmo. A água seguirá jorrando mesmo depois que o sol apontar no vitrô, entre os potes de tônico capilar. Às oito e oito, a empregada chegará rebolando, fechará o registro enquanto ofende o patrão desastrado e abrirá um longo dia de limpeza pesada.
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