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Contos-->O quadrado da hipotenusa -- 23/04/2007 - 20:30 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Meninos crescem batendo bola, batendo carteiras, batendo em retirada das salas de aula dos colégios públicos. Esta é mais uma cara entre tantas pardas de filhos de pais também pardos. De fato, apenas filhos de mães, pois seus pais sumiram, fugiram, morreram, nunca nasceram. É um baixinho de seus treze, doze, onze anos desnutridos de vitamina e significado. Dorme tarde e com fome. Acorda cedo e com fome e meia. Bebe água salobra e come restos. Tem um nome, mas tanto faz. Não usa esse nome para nada. Hoje é Ismael, amanhã é Wesley, terça será Cristiano. Mas será sempre moleque sem nome, sem noção, sem nada. Tem sorte de ainda não ter sido convocado pelos bandidos para a função. Ontem, hoje, amanhã ele caminha pelo bairro que surgiu depois do último bairro da Zona Leste da cidade. Está na rua 85, perto do ponto em que ela encontra a rua 86 e a rua nova ainda sem número. Leva no bolso da calça rasgada um berroarmaferro que achou no lixão.
Traficantes seguem espalhando terror, espalhando pó, espalhando-se em branco, preto e vermelho pelo chão. Esta é apenas uma face do crime entre tantas possíveis nos buracos que se multiplicam nos bairros que sempre nascem depois que a Zona Leste termina. Era apenas um vaporzinnho levando trouxinhas de pó e erva para quem quisesse, em troca de dez ou quinze reais que iam parar no caixa do piloto. Depois que matou o padrasto que batia na mãe foi promovido e agora é soldado com comissão. Tem um apelido tão curto quanto sua vida deverá ser. Tico, Bola, Sapo. Tanto faz, pois também será ele sempre moleque sem graça, sem glória, sem grude. O pastor diz que o homem veio do pó e ninguém estranha que ao pó esse menino volte a cada dia para ficar ligado enquanto corta as ruas na vigília. Como ontem, hoje, amanhã ao caminhar pela rua 86 em direção ao ponto em que a rua 85 e a rua sem placa se encontram com ela. Prêmio pela promoção: o direito de exibir um ferroberroarma em plena luz do dia.
Professores vivem maldizendo o diploma, maldizendo o contra-cheque, maldizendo o tráfico. Este é mais um rosto entre tantos tristes que cumprem as cargas horárias nas escolas noturnas dos bairros que sempre nascem depois do fim da Zona Leste da cidade. Um dia quis ensinar, um dia quis fazer, um dia quis. Parou de tudo. Assina o ponto, entra na sexta série e assiste ao show dos alunos repetentes que exibem seus bonés, suas microssaias, suas gírias e canivetes. Espera o ponteiro de seu velho relógio cumprir as infinitas voltas que o separam de uma cama solitária e silenciosa. Passa de corpo presente pelas oitavas e sequer suja o jaleco de giz. É professor porque, como ofensa, assim ainda o chamam. Ontem, hoje, amanhã ele também caminha por aquele bairro, pela rua sem identificação, perto do ponto em que ela encontra a rua 85 e a 86. Traz, dentro da pasta que hoje não abriu nem para fazer chamada, uma armaberroferro que comprou do escaldado professor de educação física.
Nesse ponto exato, onde as ruas todas do bairro se encontram com o destino, um moleque-moleque, um professor e um moleque-traficante estão frente a frente. Quem primeiro levanta o ferroberroarma é o Ticobolasapo, a alguns metros dos outros. Aponta para um aponta para dois, mas não dispara. Fica surpreso quando, numa piscada, permite que Ismaelwesleycristiano chegue mais perto com o berroarmaferro ameaçando. Gritos, ferro na cabeça de um, berro na cabeça de dois. O professor nem pensa e já empunha sua armaberroferro. Aponta-a para o moleque-traficante, que aponta outra para o moleque-moleque, que aponta outra para o professor. Corpos muito próximos, apenas respeitando a distância dos próprios braços, ocupando o professor mais espaço por ter membros de adulto. Nenhum deles tem motivo para matar, além de todos as razões acumuladas ao longo da vida. São um triângulo humano com ângulos de pistolas. Ficariam assim, em perfeição geométrica, para sempre. Meninos catetos; um com vazio elevado ao quadrado, outro com ilusão elevada ao quadrado. O professor, contrariando Pitágoras, não é a solução acabada que demonstraria a validade de um teorema, mesmo com sua frustração multiplicada que um dia foi algo como fé elevada. Atrás do professor, rápidos, pela rua sem nome ou número, cantam os pneus de uma viatura escura da qual saltam canos de fuzis cuspindo balas em dízima periódica.
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