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Contos-->O espírito do porco -- 23/04/2007 - 20:40 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O terreno era pequeno, mas abrigava bem a casinha de dois cômodos, o galinheiro e o chiqueiro. Bira e o irmão mais velho dividiam o quarto e a cozinha. Doze galinhas e um franguinho ocupavam os poleiros. Um porcão de oito meses chafurdava na lama. Às vezes, o caos da favela invadia o quintal separado do mundo por uma cerca de pau, e fazia confundir a lotação: era comum ver as galinhas sobre a pia da cozinha, o leitão no galinheiro roubando milho e os meninos no chiqueiro trabalhando duro. Cuidavam eles mais do bicho que de si mesmos. Um tal de limpar a sujeira dos comedouros antes de despejar a lavagem, que os vizinhos até estranhavam:
- Cambadinha de bestas! Lavar prato de porco?!
- Se o nome já é porco, limpar para quê?
- É pra diminuir os vermes, seo Paulo.
- Porco lá tem verme, moleque?
A carne de porco da criação do Bira era famosa pelo sabor irresistível e pelo risco de pegar doença brava, do tipo que come os miolos aos poucos. Ainda assim, os barracos mais próximos ajudavam com os restos para a ração diária do suíno; gesto movido menos por generosidade e mais por interesse na partilha. E a coisa era séria. Bira e o irmão pagavam sessenta reais num porquinho comprado nas chácaras da Fazenda Experimental. Sabiam como cuidar do bicho só de olhar os sitiantes. Em janeiro, chegava o novo ocupante do chiqueiro que seria engordado ano todo com a ajuda de cinco ou seis vizinhos. Bem alimentado, depois de 11 meses, rendia carne para todos os investidores, para a venda e para as festas dos irmãos.
- Esse ano o porco vai dar pro Natal, festa de Ano e Carnaval, Bira!
- Só! É um bichão!
Era mesmo. Não que os antecessores fossem mirrados. Os meninos eram craques na seleção. Olhavam o focinho: quanto mais empinado, mais chance de vingar uns brutamontes de toucinho. Mas esse era um espetáculo. O que tinha de gordo, tinha de bravo. E de nariz para o céu.
- O porco deu linha!
- Fugiu de novo?
Lá iam os dois atrás do espírito-de-porco. Tarde perdida até encontrar o safado arrumando briga com um vira-latas, já no asfalto. O cachorro, sem decifrar a raça do oponente, dava dois latidos e um passo para trás. O porcão grunhia, fungava, soltando uma baba pelas ventas. Quem nunca tinha visto dente de porco, via com detalhes cada uma das presas tortas arrancando sangue do vira-lata. Dez reais de prejuízo para apaziguar a raiva do dono do cachorro que só apareceu quando o porco já tinha mandado o bicho para o céu canino.
- Cheio de treta esse porco!
- Palmeirense é mesmo desse jeito.
Faltavam ainda dois meses para o Natal e o brigão do chiqueiro já tinha o dobro do tamanho das crias comuns na mesma idade. Bira achou que era o caso de antecipar o abate para não deixar a carne muito dura, com gosto de animal velho. O irmão relutou um pouco, mas, quando o cercadinho já se mostrava pequeno para a agitação do animal, resolveu aceitar. Num sábado pela manhã, cheios de cordas e facões, encantoaram a vítima entre a casa e o galinheiro. Olhando com cuidado, nessa hora, o porco era mais um javali selvagem, desconfiado que estava do destino que o esperava. Bira era o mestre do golpe certeiro. O facão precisava se alojar em cheio no coração. Não tinha erro. Não poderia ter. Todo mundo sabe que, se o porco não morre na primeira investida, fica nervoso e faz a carne encruar. Só que aquele exemplar não tinha sina para pernil de natal. Quem disse que o irmão do Bira conseguiu segurar o porco? Duas horas de show com direito à platéia, incluindo os fornecedores de lavagem. Antes de qualquer sangue suíno correr, muitos vergões já gotejavam o sangue menino; vergões de arame de cerca, de patada de porco, de tombo nas pedras. Nada de sequer acertar a mira.
- Esse porco é turrão demais! Já nasceu encruado!
- Quem vai querer essa carne?
O povo poderia estar certo. Perder meses de trabalho e mau-cheiro? Com tantas galinhas em casa, por que não passar um Natal à base de coxas assadas? Uma galinha para cada vizinho que se sentisse prejudicado e pronto! Mas o que fazer com o porco?
- Bota ele na rinha!
Povo sábio. Até hoje, lá no Parque Ribeirão, o Pig Bull pode ser visto assustando Rottweillers. Cada luta, cinqüenta reais. Cada luta, um novo porco para o chiqueiro dos irmãos.
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