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Contos-->Negros negros e brancos café-com-leite -- 23/04/2007 - 20:41 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A multidão quer invadir o palco, esticando os braços feito polvo. Cada um deve ter uma razão para tentar arrancar um pedaço da roupa do roqueiro que berra uma mistura de inglês com gíria. A adolescente, vencida por hormônios, quer agarrar o homem de roupa de couro; nem sabe direito o que ele canta. A cinqüentona quer subir ao palco para rememorar os dias em que ainda era vencida por hormônios, bem antes de sucumbir à menopausa. Os dois malucos metidos a sósias do cantor querem se misturar com o astro, talvez tomar o lugar dele. Cada um com um porquê para estar no fuzuê do gargarejo. Menos ele que é apenas um elo negro numa corrente humana formada por dezenas de negros em ternos pretos. Seguranças negros. Uns mais altos, outros medianos, uns tampinhas, estes cheios de agilidade e cara feia. Todo fim de semana é isso: escalado para cuidar da ordem em shows de rock, blues, axé e outros ritmos que os pleibóis gostam de ouvir. Até música sertaneja. Rap, sem chance. Rap é o som dos trutas do bairro, a maioria batendo ponto na mesma empresa de segurança. Escutam as batidas profundas no som do Monza do Birolo que é a lotação de todo dia, rumo à base.
Armados com seus comunicadores Talk About, vão para bailes, formaturas, eventos de todo tipo. Sempre cuidando do patrimônio dos promotores dos eventos, uns universitários com grana da família que montam festanças só para ficar bem na fita. E ficam. Perfumados, roupas novas, mulherada rodeando. Ele? Ele é só mais um elo na corrente humana formada por negros em ternos pretos. Seguranças negros cuidando do patrimônio da pleiboizada. Até que tem ele um motivo para estar em pé alinhado e sisudo, empurrando uns branquelos: tem de garantir o sustento, pois já faz cinco anos que é pai de família sério e preocupado. Cada noite de capanga rende noventa e cinco, às vezes cento e poucos. Se a temporada é de agito, uns oitocentos, mil todo mês; garantido, seiscentos. Dá pra tocar. A mulher não gosta muito, que deixar homem fora de casa à noite é dar mole demais. Mas ela faz vista, porque os meninos têm de comer e nem são todas as noites que o marido fica fora.
Além da razão da responsa, ele até que curte atrapalhar a vida dos mauricinhos, quase todos muito brancos em roupas de muitas cores, algumas pretas. Não deixa de ser uma vingancinha. Eles não ouvem rap, mais levam uns cutucões de rapa quando querem invadir o banheiro das meninas ou chutar as caixas de som. Aí é já é ou já era, joga na rua e desce porrada sem dó, mermão. Tudo perto da PM que faz vista igual à mulher do segurança. PM também é truta. Melhor, é sardinha. Mas é peixe. Fardado, mas é peixe. Sardinha fardada que faz olho de peixe morto quando os pleibóis levam um corretivo na calçada, cai fora que sujou pra ti. Esta é uma boa razão, dá um gosto bom de ter um poderzinho que nunca se pode ter noutra parada. Aqui ele fala no radinho, vira zero zero sete, faz cara de autoridade, desce o ferro e ainda canta as burguesinhas. Dá pra levar.
Não deixa de ser engraçado que ele, afrobrasileiro, negro tão negro quanto era o seu pai, seu avô e seu avoengo, cuide da segurança dos filhos-de-papai brancos, não tão brancos quanto pais, avós ou avoengos deles. Os negros de hoje são ainda retintos. Os brancos de hoje são meio café-com-leite, mais café ou mais leite, dependendo da média. Mestiços estes, ainda negros aqueles. Curioso: os avós dos seguranças eram escravos; os avós da pleiboizada eram senhores de terras e casas grandes. Não precisaríamos muito mais de dez décadas para ver o segurança de hoje sendo escravo açoitado; também não viajaríamos muito para vislumbrar os granfas de hoje segurando o chicote ao pé do tronco. O que é isso!? São mais de dez décadas... Tudo muito longe. E hoje é dia de festa. Há uma corrente de homens negros em ternos pretos garantindo a segurança do patrimônio dos quase brancos. Seguranças negros. Todos, até ele, com alguma razão para estar ali, no burburinho do gargarejo. Há razões para tudo. Para todos.
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