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Contos-->Olha o rapa! -- 23/04/2007 - 20:44 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um pedaço de madeira para servir de calço. Uma cunha. Mãos cobertas por luvas de lã azul; difícil é encaixar a lasca entre o pé do cavalete e o chão de pastilhas. Manhã fria, aos poucos, outros profissionais liberais do comércio popular ao ar livre – também conhecidos como camelôs – brotam no calçadão. Miranda é o mais escolado: dezoito anos de banquinha. Começou com a onda dos chaveiros de molinha lançados numa novela da Globo; a moda só caiu quando subiram os io-iôs com luzes. Depois, vieram os cedês piratas, os bichinhos virtuais, os venenos para formiga. Então, a praga do um e noventa e nove chegou para atrapalhar o negócio. O freguês de sempre passou a fazer suas compras entre prateleiras lotadas de toda sorte de quinquilharias. As capas de celular foram a salvação; os donos de loja não oferecem variedade, nem em preço nem em modelos, e a clientela aparece de mansinho. Experiência conta muito na hora de decidir o que vender; gogó afiado também é importante no metié. Mas o único seguro dos ambulantes é o olho esperto; também um bom par de pernas; ambos, vistas e membros, ocupando o lugar dum alvará inexistente, mantendo a turma na segurança frágil da informalidade, salvos da fiscalização. Bastava um grito: Olha o rapa! e bancas desapareciam na multidão. Antigamente, os fiscais pegavam pesado, saiam na porrada protegidos pela PM. Hoje, a perua branca da Prefeitura se denuncia de longe. Rapa forte, só quando o prefeito quer botar banca, no pior sentido da expressão. No mais, é lance de olho de lince e sossego. Sussa!
O dia parece que vai ser fraco, além de frio. Miranda segue a sina do nome de batismo e mira o movimento da massa que anda na trilha do emprego registrado ou desanda no atalho do crime. Ele não! Cuidou da mãe durante oito anos com o dinheiro informal; enterrou a velha em caixão comprado com venda de Raibans falsos; fez questão de usar um de seus óculos no velório, estiloso e promocional, feito artista do Super Cine. Se tanto fez com tão pouco e bandido ele não era, para que recortar classificados em busca de patrão ingrato? Isso fez o Varela, traíra! Serviu-se da calçada por anos; não pegou gosto nem fez fama. Tinha pouca voz e medo de ser preso. Achou melhor, já que tinha ginásio, prestar concurso. Passou e virou motorista de secretaria. O filho da mãe dirige a branquinha do rapa! Lá vem ele todo cheio de moral, piscando as lanternas. Miranda já se dá ao luxo de ser marrudo e fingir que não é com ele. Alguém dispara o alarme - corre que é rapa!-, mas Miranda finca o pé e espera a perua.
- Pô, Mira! Tá abusando da sorte.
- Canta não, Varela. Se eu tivesse medo de rapa ia ser capacho de fiscal.
- Tu não é mole, cara. Ainda tá amuado com essa história. Essa vida de banca não era pra mim.
- De certo que nem era mesmo. Melhor tá aí, carregando fisco. Vai rapar minha mercadoria ou o quê?
- Pô, cara! Cê sabe que eu não apito. Fala com o banco de trás. Tem fiscal novo.
Varela solta o freio e deixa a Kombi descer até alinhar a porta traseira com a banca do ex-colega. Miranda bate no vidro coberto com Insulfilme. O gordo enfia o carão na janelinha que se abre, ocupando todo o vidro.
- Putz, cê é manhoso mesmo, Miranda. Velho de rua e ainda dá esse mole. Que é que cê tem aí?
- Capinha. Só capinha.
- Tem do Nokia azulzinho?
- Essa aqui serve.
- Deixa ver se dá. Conversa com a minha amiga que eu vou pegar o aparelho.
O Gordo desocupa a janela. Miranda estica o pescoço para dentro do carro, mais por reflexo que por curiosidade; está desviando o olhar quando vê um rosto arredondado estampar o moldura de lata. Uma pintura que ele não sabe comparar com nada; só conhece os produtos que vende, e não negocia nada assim tão suave, tão brilhante, tão redondinho. Pena que ninguém se interessa mais por Raibans; Miranda se lembra de óculos perfeitos para aquela carinha linda. Se ainda os vendesse, nesse momento, o camelô trataria de esconder seu olhos que teimavam em mirar os olhos pretos da nova fiscal.
- Oi. Você que é o Miranda?
- Eu mesmo...
- Tá famoso no departamento, sabia?
- A gente faz o que pode, moça.
- Mislaine. Meu nome é Mislaine.
- Muito prazer.
Miranda ensaia um movimento para tirar a luva e apertar a mão de Mislaine – devem ser mãos macias! -, mas ela não encontra espaço para esticar o braço. Ficam as luvas e o bico.
- Você tem sorte. Hoje o Gordo saiu comigo só para explicar o trabalho. A gente não vai levar nada.
- Nem essa porcaria que não serve. Devolve aí. – berra o Gordo, entregando a capinha de Nokia para Mislaine.
- Tó. Ele não vai querer. Disse que não serve.
- Tudo bem. E você? Não vai querer nada?
- Hoje não. Mas algo me diz que a gente ainda vai se ver muito.
O Gordo dá a ordem e Varela movimenta a perua. Mislaine acena para Miranda antes de fechar a janela. Como é linda a nova fiscal! Um velho perguntador de preços encosta e chuta o calço da banquinha, tirando a prancha do nível. Miranda nem percebe; seus olhos acompanham a perua que desce a ladeira, e seus ouvidos já começam a esperar algum colega da atividade gritar de novo: Olha o rapa! E que seja rápido.
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