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Contos-->Um "F" para Laura -- 23/04/2007 - 20:45 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ocupava a varanda do Café Central, regando a melancolia costumeira com um brandy, quando ele dobrou a esquina com passos leves e guiados pela bengala de osso. Quase passava direto pela minha mesa, olhar perdido num ponto qualquer entre as pedras do calçamento e o céu plúmbeo do pós-chuva. Meu estado de espírito, no entanto, urgia um cristão para dividir o fardo do viver:
- Manuel! Eia, Manuel!
A reação de meu antigo colega de quarto na academia não foi a que se espera de alguém que ouça o próprio nome bradado em pleno centro. Não ficou ele na indiferença, como aqueles que fingem surdez para evitar aporrinhações; tampouco atendeu ao chamado com a prontidão que se mostra entre compadres em reencontros. Apenas parou o passo, recolheu a bengala e, em lentidão reflexiva, mirou-me com cuidado antes de manifestar-se.
- Amigo César!
- O próprio. Em pouca carne, alguns ossos quebrados e muita saudade, Manuel!
- Que bela coisa! Tu não és o mesmo? Não fosse o terno bem cortado, diria que estamos de volta à universidade. Como estás?
- Estou como sempre, já disseste. E tu...
Manuel olhou para os lados e sobre os ombros como quem quer ter a certeza de que nenhuma testemunha indesejada compartilhava a conversa. Puxou a cadeira e dobrou-se sobre a mesinha em minha direção.
- Sei que, mesmo que sejas um velho amigo acostumado com minhas fraquezas, irás achar estranho o que te direi agora.
- Nossa, homem. Pareces um agente da Federal revelando um segredo de Estado. Em que estás metido, Manu.
- Estou, César, metido num caso de amor sem igual que me levou tudo que tinha, até aquilo que um homem mais se orgulha de ser dono.
- Que é isso? Não tens mais colhões entre as pernas, meu caro?
- Isso ainda tenho. Mas me tornaria um eunuco se Laura assim pedisse.
- Cáspite! Isso não é caso de amor. E caso de internação, homem de Deus!
- É mesmo este o caso: uma doença que me consome. Vou contar os detalhes e, depois disso, se achares por bem, chames a ambulância e as camisas de força. Se não for esse teu julgamento, aceitarei uma benção e um copo de vinho tinto.
- Fala. Já tenho aqui em mãos meu caderno de endereços com os nomes de bons e cruéis médicos e também a carta de vinhos com ótimos e impiedosos Cabernets.
- Pois falarei. Conheci Laura numa viagem ao Sul. Descendente de ciganos, ela era viúva e cuidava de uma pequena loja de ferragens. A história de Laura é conhecida por lá. Casou-se menina com um jovem colono. Dizem que era um amor como poucos. O nome dele era Felício e para marcar sua fidelidade e amor ao marido, Laura mandou que tatuassem em seu peito a letra “F”. Ele, dizem, levava um “L” no braço.
- Bem selvagem isso...
- O pobre Felício morreu ao cair de um cavalo bravo que tentava domar. Laura sofreu e ficou para sempre marcada com o ocorrido.
- Pudera! Tinha uma tatuagem com a inicial do morto!
- Pois tinha. O fato é que, quando fui procurar um martelo novo, encontrei Laura.
- A vida pregou-te uma peça!
- Com o martelo de Laura. Fiquei em febre e mais ainda quando soube de sua total castidade após a morte do marido, que Deus o tenha. Era como se ela houvesse guardado todo o seu amor para mim, não sei. Fiquei louco. Gastei todo meu dinheiro com presentes caros, até ir à banca rota. Laura até demonstrava carinho por mim, mas não cedia. Quando já estava acabado, sem tostão e sem sossego, abri como nunca meu coração para Laura. Disse a ela que nada mais possuía no mundo, mas se alguma coisa viesse a ter, fosse ouro ou cobre, seria dela. Ela chorou e disse que nunca pensara em amar outro homem depois de Felício, mas que a vida é cheia de ironias e que o meu amor por ela era total e plenamente correspondido, com ou sem fortuna.
- Meus parabéns! Estás casado?
- Sim, mas, antes, havia um grande problema: a tatuagem. Apesar de dizer a ela que aquilo não me incomodava, até me fazia mais certo da fidelidade da qual ela era capaz, nenhum argumento a convencia de que a tatuagem era impedimento nenhum para nossa união.
- A manta de Penélope, senhor Odisseu!
- Parecia mesmo um épico com triste fim. Mas eu já tinha perdido tudo por aquele amor. Ou quase tudo. Percorri oito comarcas até encontrar um juiz que acreditasse no verdadeiro amor e concordasse em retirar de meus documentos a infelicidade de um nome como Manuel, iniciado pela letra errada, e que lá grafasse um outro qualquer que principiasse com a décima letra do alfabeto.
- Não fizeste isso, homem?! Não creio! Quem és tu agora?
- Muito prazer, amigo César, meu nome é Fabiano, nome de homem apaixonado.
- Meu caro, Manuel, ou melhor, Fabiano, aguarda aqui enquanto o garçom se prepara para abrir um velho tinto com o qual brindaremos um grande amor e ainda maior desprendimento. Depois, quando estivermos bêbados, usaremos a tua bengala para nos guiar até o gabinete do Dr. Maciel. Dizem que ele é amigo do vienense Sigmund. Certamente haverá uma vaga em seus prontuários: uma para mim, na letra C, e outra, fresquinha, na letra F para você. E viva Laura!
O garçom já enchia nossas taças quando meu amigo doido, que graças ao bom Deus, desde que era Manuel, não sabe montar pangaré que seja, exibia o braço esquerdo com uma exuberante tatuagem de uma letra “L” circundada por flores e serafins.
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