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Contos-->A ilusão da beleza -- 11/05/2007 - 17:12 (Evandro Carvalho da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A criança saiu de sua casa após a tempestade e percebeu diante de seus olhos o cenário que se desenhou. Sem a prateada cortina da chuva, a vegetação diminuta no fim da extensa várzea fez-se exuberantemente verde. No céu, as manchas cinzas engenhosamente construídas pelas nuvens deram lugar pouco a pouco as pinceladas azuis do mês de abril. Pássaros alçaram vôos, livres de seu abrigo das chuvas, buscando a pulsante liberdade, dando movimento a cena. Os primeiros raios de sol, espremidos e cautelosos, surgiram entre as pinceladas azuis e as cinzas nuvens, pouco a pouco foram iluminando o cenário de maneira muito cuidadosa, minuciosa. Os olhos do menino logo se arregalaram, perceberam a dimensão magnífica daquele cenário de transição. Coçou os olhos com as mãos para crer de fato no fenômeno, a majestosa e desconhecida criação.
O arco foi surgindo aos poucos, como que emergido da mais brilhante imaginação, posto ali não ao acaso, mas como o retoque final de obra de complexa completude. Sua extensão abrangia toda a dimensão da várzea, da recôndita extremidade direita a recôndita extremidade esquerda. A altura do arco beijava o céu, bem longe da rota dos pássaros, muito acima. O que mais chamava a atenção no arco eram suas inúmeras cores, das mais belas e variadas. Escolhidas criteriosamente. Aos poucos, as cores foram ficando fortes, bem definidas, solidificadas pela ação do tempo e pelos raios solares. O arco ficou pronto e todo o cenário reverenciou sua presença, condicionou sua existência a existência do arco. “O que há no final do arco?”, perguntou o menino órfão a sua misteriosa consciência, envolto pelo aspecto abismado e confuso.
Vitimado pelo silêncio da varanda, o homem velho morreu só. Companherio fiel de uma solidão presente e extenuante, não se casou, não teve filhos. De seus pais, mortos pela grande praga, tinha vagas e confusas lembranças. Sempre viveu recolhido a insignificância que postulava perante o gigantismo da humanidade. Nos últimos anos de sua, até então, errante existência, imaginava seu encontro com a finitude, o último lampejo de uma desguarnecida, angustiosa e claudicante vida. Imaginou-se num leito, agonizante, melancólico. Também pensou em desfalecer em um canto qualquer, despojo de dores viscerais e fatídicas. Na verdade, cogitara inúmeras mortes, mas jamais haveria de conceber a idéia do bucolismo silencioso de sua varanda como cenário de sua fatalidade, testemunhada pelas bromélias, orquídeas, rosas, lírios e sua interminável cultura de delicadas flores que espalhava pelos cantos da casa. Enfim, estava feito.
Em lugar desconhecido, a consciência logo tratou de vagar bem depressa por um labirinto de memórias e saudades. Algumas boas, outras ruins. Vista no espelho, viu-se criança, feita, decrépita, alegre, triste, impaciente, zangada, solene. A consciência, bem longe de seu lugar comum, perplexa ficou sem rumo, entregue a desafortunada inexistência. Consultando e não sendo consultada gritou mais do que pode, tamanho desejo incontrolável em ser reconhecida. Ficou por ali, naquele lugar desconhecido por muito tempo sem saber para onde ir, sem saber a que fim chegar, de que maneira responder ao profundo silêncio, a ausência total de perguntas e indagações. Entregue à sorte e ao desalento, haveria a consciência de dissipar-se longa e lentamente até o julgamento cruel do infindável e absoluto esquecimento.
O arco bem que tentou, mas não resistiu ao implacável e virulento sol, que expulsou as últimas nuvens do céu com energia e calor singulares. Entregue à sorte e ao desalento, haveria o arco de dissipar-se longa e lentamente até o julgamento cruel do infindável e absoluto esquecimento. Minutos depois não se viu mais nada e o que era tudo, tudo ficou – como sempre foi. O requinte final daquele arco sumiu e fez prostrar o resto do cenário por mais belo que fosse. Recolhidas à insignificância do cotidiano, as poucas existências se fizeram resignadas e dispuseram-se no conforto irremediável do possível, do normal, do status quo.
Nos funerais do velho homem Poucos apareceram, como ele previa muito tempo atrás. Um cheiro de flores tristes acompanhou os Poucos. Foram embora e haveriam de morrer logo, pois eram ancestrais de um tempo que não voltaria mais, testemunhas que atravessaram todo o arco até chegarem ao fim e a conclusão óbvia de que a vida é uma lastimável confusão de tristezas, decepções e resignação.
Por segundos, a criança contemplou o arco, mas logo recobrou sua consciência e foi se refestelar na lama junto com outras crianças. Estava feliz demais para perder tempo com aquela beleza de ilusão.
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