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Cronicas-->Quando uma cantor mata outro cantor, todas as vozes se calam -- 15/11/2004 - 01:18 (Silas Correa Leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Crónica de Luto:

Quando Um Cantor Mata Outro Cantor, Todas as Vozes se Calam

Sou surpreendido com o telefonema de uma querida irmã de nossa Santa Terrinha, a Estància Boêmia de Itararé, e a notícia da tragédia vindo a galope. Mataram meu irmão, meu amigo de fé, meu camarada Walter, o popular cantor chamado Careca. Não acreditei. No momento senti-me perdido, revoltado, órfão, passado de mim, eu que não sei lidar direito com a morte, as perdas, e que espero sim um dia descansar dessa vida horrenda morrendo a minha morte já sem medo de quando chegar o meu vencimento da duplicata de existir. Mas, o Careca? Deus do céu!. E uma noticia ruim não vem sozinha. Quem o matou foi meu colega de infància, o também cantor e amigo, Germano. Eu estou dentro de um pesadelo ou Itararé enlouqueceu de vez? Santo Deus! Um cantor matando um cantor. Um boêmio matando outro boêmio. Custo a acreditar. Não é possível! Com as duas notas musicais que tenho no nome, sem ritmo e sem harmonia na alma, vou ao diapasão da minha memória revisitada. E escrevo ao meu amigo músico, Mauro Vieira, um dos maiores talentos dessa Itararé contemporànea:
Prezado Mauro Vieira
Que tragédia. Como diz minha mãe, Só por Deus... Estou desesperado. Imagine a dor das duas famílias...pais, familiares, filhos... O Germano era de família quase vizinha à minha, conheci os parentes todos dele, gente boa, até o Nelsão que cantava nos tempos (Anos 60) do Nicão, dos Alberts, dos Marionetes... Que dor imensa é essa dor de cantores-artistas que se matam por amor, por que motivo for; por intrigas que deixam rastros sombrios... E me lembro do Germano cantando maravilhosamente bem uma música que, ao final, dizia "A dor da gente não sai no jornal.."
O Walter, Careca, era uma pessoa especial na minha vida, como você, como o Santana Tatit, o Jorge Chueri, tínhamos uma afinidade. Ele era o único que sabia algumas músicas minhas de cor e salteado, quando me via, e estava com violão, fazia a segunda ou um falsete na voz bela que tinha, e lá íamos nós, entoando o refrão. Na última vez que nos vimos, ele me abraçou, fez uma festa, imagine só que até tentou me levantar, isso mesmo, me carregar no colo, lá no Bar do Nélio no Rio da Vaca... E ainda brincou com a Rosangela, como é que ela me aguentava, depois disse que ela fazia um bem enorme ao mundo, à arte, me dando sustentabilidade afetiva para eu poder continuar criando as minhas loucuras...e disse que me adorava. Demonstrava isso. E era recíproco. Meu Deus! Era um irmão de gandaia, de sonhos, boêmia, de bons e maus tempos, de república, quando morávamos juntos, eu, o Zé Luis, o Rubinho, o Betão Sampaulino, o Santana, e mais uns outros. Ele sempre me defendia, quando eu ia pra gandaia ele guardava comida (pratos feitos) pra mim, mesmo à revelia dos outros, ou quando eu não estava no rateio da bóia. Quando ocasionalmente falavam mal de mim, um briguento, um reclamão, um manteiga-derretida (todos os sensíveis deveriam cortar os pulsos?) ele sempre dizia que para me entender tinha que ter um raciocínio, rápido, porque ao mesmo tempo que eu meio que filosofava, falava alguma coisa séria, de repente, no mesmo diapasão pegava outro canal sensorial e fazia um trocadilho, fazia uma troça, uma glosa. Curto e grosso: entendíamos um ao outro, tínhamos a mesma linguagem, havia uma empatia natural, musical, artística, espiritual, sei lá. Conheci a família dele, os irmãos dele, junto com a Yara e a Mónica (cunhada dele) íamos pros barzinhos do Bixiga nos maravilhosos tempos, cantando e bebendo de graça por causa das cantações diferenciadas, fazíamos a nossa versão ímpar da toada "Cio da Terra" (Miltom/Chico Buarque) eu fazia um falsete na música, a Yara (que canta muito bem) fazia a segunda voz, ele no violão a primeira e a Mónica um outra que acho que era um meio tenor se é que é isso, mas ficava linda a música, às vezes repetíamos uma dez vezes a mesma versão sobre aplausos e gandaias, de áureos tempos. E agora ele foi morto. Como é que pode?
E eu aqui agora, tenso, alma pisada, sofrendo muito, escrevendo sobre o Careca assassinado, imagine só. E eu ia para Itararé, acredite que não foi possível...Iria sofrer mais. E nem posso julgar isso ou aquilo, quem sou eu, mas, tirar a vida de alguém é duro, eu prefiro ser o morto do que ser o assassino...Fico amargo, duro de lidar, fechado, com isso tudo. Perdoe, não sei lidar com a morte. Fico frágil.Penso na minha vida, de lutar, vencer em SP, lançar meus trabalhos, promover Itararé - escrever sobre o espírito humano nessa nave cela-terra - ver meus trabalhos valorados, ter uma casa no campo em Itararé, o respeito das pessoas que eu amo em Itararé como você, sua família, a família de sua esposa, depois, um dia ficar velhinho, com você e tantos outros amigos, e já nos oitenta anos (se a Skol deixar) ficar ali numa esquina futura de cacau quebrado (paralelepípedos) lembrando momentos alegres, tomando remédios pra pressão ou diabetes, cerveja sem álcool, contando causos, jogando dama, cacheta, pif paf, truco, esperando a morte vir pegar o morto....o próximo amigo, o próximo irmão, o próximo parente, colega, artista, boêmio, ancião, sábio, o que irá primeiro, e vejo agora que não vou ficar tão velho para ver isso, pois amigos cantores, dois músicos, suas belas vozes, dois artistas, um matando o outro, aí em Itararé, meu rincão amado, que tristeza. Não é fácil conviver com essa tragédia. Desculpe. Quando um cantor mata um outro cantor, todas as vozes se calam. Todos perdem. Nunca pensei que iria escrever sobre a morte do meu irmão e amigo Walter Careca. Minha alma-música perdeu o tom.Um cantor matando a voz de outro cantor. Uma voz calando a voz de outro por uma bala de arma (e alma) de terceiro que perdeu o tom melhor, incendiado de rancor por algumas perdas das quais também deve ser também de alguma maneira culpado... Isso lembra algum bolero latino-americano, onde, Belchior diria, não se preocupe meu amigo, com os horrores que eu lhe digo, ao vivo é muito pior... Não sei nem o que escrever; se vale à pena escrever - então viver é esse horror todo? - se vale a pena lutar, pois a violência é humana, o ódio, a vingança, a dor, a tragédia, tudo isso com desonra, coisa pequena e vil da espécie humana. E estamos no meio de almas perdidas, balas perdidas, já não somos mais os mesmos...quando um artista mata um outro, quando os dois são amigos de infància, quando os dois são da mesma aldeia...quando os dois têm talento e se degladiam....Esse mundo está perdido mesmo, diria meu pai. Estamos perdendo motivos pra existir, pois, como o filme Ensina-me a Viver, é a dor que nos ensina a viver, e não há unguento suficiente para a minha dor...a perda...a banalidade da morte.... Um amigo assassinado e um amigo assassino. Dose dupla. Inaceitável. A primavera é cor de sangue. O fim do ano começou com choro e ranger de dentes. Ai de ti, Itararé! Preciso escrever bastante, despojar muito, escrever como quem chora (é assim que eu sei chorar), porque talvez eu faça a minha balada de revolta e angustia tocar corações de pessoas que não podem se endividar espiritualmente por tirar vidas, tramar crimes, fugindo de si mesmas quando vão se levar consigo para onde forem. A cela do matador será a sua própria epiderme? Será que meu coração aguenta tudo isso? Não é fácil. Talvez seja um dos dias mais triste da minha vida agora. Lembro-me, anos 80, um dos últimos festivais da Globo, o Walter Careca ouviu meu spiritual de auto-exílio de Itararé, a canção "Coivara" (Havemos de Voltar), e resolveu me acompanhar numa gravação para inscrevermos a música no evento. Varamos a madrugada de casa em casa de amigos e parentes dele, atrás de um som bom, quando cantei a música e mandamos a fita-cassete. Não foi classificada. Mas estávamos na luta, numa sintonia de almas irmãs. Tenho isso entre tantas coisas boas para contar dele. Companheiro e amigo-irmão. Bravezas e prazeiranças. Não julgo ninguém. Todos estamos feridos. De alguma forma, todos estamos mortos de alguma maneira. Imaginem os pais deles, os irmãos deles, os filhos deles, morto e assassino, mandante do crime, amigos, fãs, colegas, herdeiros, boêmios. Perdoem que escrevo porque não sei chorar. Quando um boêmio mata outro boêmio, alguma coisa está errada. Quando um cantor mata outro cantor, todas as vozes se calam. E ninguém é inocente. Somos todos culpados. Eu faço versos como quem chora.
Silas C.Leite (poetinha) E-mail: poesilas@terra.com.br
www.itarare.com.silas.htm
www.hotbook.com.br/rom01scl.htm




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