Usina de Letras
Usina de Letras
64 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50671)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Mírian do andarilho (revista) -- 18/05/2007 - 18:05 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Numa cidadezinha do sertão igual aquela que está em sua mente por conta de algum filme de Nelson Pereira dos Santos ou de Glauber Rocha, imagine uma igreja construída em graça ao Menino da Cruz de Prata, um quase santo e milagreiro de fama. Em volta da capelinha, coloque uma multidão de esfarrapados – mas devotos! - querendo chegar perto do Beato que prega com sua bata cor de carne. Não se esqueça do sol impiedoso que, fosse isso um filme, machucaria a lente da câmera e a cachola do diretor de fotografia. Pense no típico andarilho que caminha lenta mas decididamente por uma estradinha que você acaba de abrir na caatinga. A pele dele se confunde com os trapos que mal veste. Chapéu de palha na cabeça, saco de corda nas costas e, na mão direita, uma grande cruz pintada de prata. Ele abre caminho na multidão, consegue chegar até o caixote do Beato que interrompe o sermão, desce do caixote e caminha em volta do andarilho num giro também tirado de Deus e o Diabo na Terra do Sol.
- Se você sofre, segura a cura que nosso senhor enviou pra terra: a cruz de prata do Menino! – grita o Beato. Eis que o senhor nos deu um homem que procura! Qual sua doença, filho?
- Doença nenhuma, meu santo. Desgraça que dói, isso sim! É a saudade da minha Mirian...
Já que estamos numa abordagem cinematográfica, ponha, em close, a multidão a se manifestar com espanto e em tom de condenação pela causa do andarilho. Onde já se viu? Usar o Menino para curar dor dos cornos? Aproveite e insira uma musiquinha dramática de fundo enquanto o andarilho segue falando indiferente.
-Minha Mirian escafedeu-se no mundo e eu não consigo viver sem ela, não!
Beato fala miúdo no ouvido do moço:
- Essa Mirian não é cabra ou mula, é?
- Né não. É muié de rabo de saia, mesmo.
- Bom, muito bom. Quem não tem saudades que atire a primeira pedra! O coração desse homem tem espinhos feito mandacaru. Se o cachorro tem a cachorra, se o porco tem a porca e se o urubu tem a.... se o urubu tem a... a... se o urubu tem a mulher dele, o homem não deve de ter uma companheira para fazê-lo mais homem? Irmãos, a graça do Menino da Cruz de Prata vai clarear de novo o coração do andarilho que sofre.
Faça uma fusão lenta, que nós já vamos para o interior da capela fazer o povo rezar com andarilho. Quem sabe essa Mirian venha com a brisa e confirme os milagres da Cruz de Prata?
-Menino santo, meu Menino. Eu sei que o Menino é muito ocupado com as doenças e as desgraças de todo esse povaréu aqui. Eu, Menino, não peço grande milagre. Mas que é de minha Mirian? Sou homem sem ambição, sem posição na vida, não sabe? Mas nunca pensei noutra mulher que não fosse a minha Mirian, com seus olhinhos de menina e seus cabelos de índia. Ai, meu Menino! Que é de minha Mirian?
-Cadê a Mirian do andarilho, Menino?
-Meu Menino, pelo amor à sua luz que alumia meus olhos, eu careço de ver de novo a minha Mirian.
- Traz a Mirian do andarilho, Menino!
Siga o filme com um vento forte que entra pelas frestas das paredes, apagando as velas. A porta de madeira não resiste e abre com um baque. Uma linda moça, linda mesmo, de cabelos negros e rosto angelical rasga a multidão e cruza a capela bem devagar.
- É a Mirian do andarilho. É um milagre! Um milagre do Menino!
Deixe a multidão avançar, querer tocar a moça assustada. O andarilho, ainda vidrado, intercede, afasta os devotos e puxa a menina para fora.
- Esse povo é meio amalucado, num é?
- O que aconteceu, moço? Vim pagar uma promessa...
- E eu vim pedir um milagre...
- E conseguiu a sua graça?
- Eh... qual sua graça?
- É Nara de Natalino Silveira.
- Então não consegui minha graça exatinha, não. Mas consegui outra melhor que a encomenda, viu?
Termine o filme com o andarilho e Nara caminhando – pode ser de mãos dadas? - de volta à estrada. A multidão nem vai perceber que eles saíram porque o Beato estará aproveitando a coincidência da chegada daquela moça – que só nós sabemos ser acaso...- para vender mais medalhinhas do Menino da Cruz de Prata que cura até corações despedaçados. Sua câmera pode ir se afastando, abrindo, num zoom que parece que não vai terminar nunca. Permita que a voz do Beato siga em off na subida dos créditos finais.
- Menino ouviu e acolheu a súplica do desesperado. A saudade do homem caiu com o vento da misericórdia divina. E não foi outra que o Menino trouxe. Foi a Mirian do andarilho que apareceu numa nuvem de prata diante de cada olho que olhava. Canta, meu povo. O povo de Deus, no deserto andava...
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui