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Contos-->O menino de Cruz das Almas -- 02/03/2001 - 02:43 (Eduardo Henrique Américo dos Reis) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“...tua alma está ferida pelo espanto, que tão frequentemente ataca o homem, a tal ponto que o afasta de uma empresa honrosa, do mesmo modo que uma simples sombra às vezes faz retroceder a fera que caminha no escuro.”
A Divina Comédia – Dante Alighieri

À poucos quilômetros da majestosa cidade de Salvador, lá nos confins do Estado da Bahia, existe uma pequenina e pacata cidade chamada Cruz das Almas. Cidade esta que possui um povo cheio de crendices e misticidades, assim como a própria cultura que emana dentre a população humilde e nordestina.
E é ali, bem ao lado da BR, próximo ao estádio de futebol, que mora um casal de velhos. Conhecidos como os velhos do terreiro, famosos por fazerem despachos...digamos assim... encomendados e também mal falados pelas línguas afiadas da região.
“Certa vez - disse um dos vizinhos dos senis – vi aquele homem negro todo enrugado, baixinho, aparentando fraqueza pedindo carona na beira da estrada... ele ficou muito tempo ali parado, parecia irritado quando passou um caminhão e também não parou. O velho deu um grito, começou a falar umas palavras estranhas, não gosto nem de lembrar. No mesmo momento o caminhão saiu da estrada e caiu numa ribanceira... dizem que o motorista morreu de parada cardíaca...”
A velha, uma magrela só com dois dentes na boca, quase nunca é vista, pois há anos está doente. Não se move para nada e ainda, na beira do abismo da morte, continua a ser torturada pelo velho. Há tempos, cerca de uns trinta anos, os velhos do terreiro adotaram um menino que passava vendendo cocada, quindim e refrigerantes.
O garoto, ao contrário dos velhos, possuía um bom relacionamento com os moradores de Cruz das Almas, mas se recusava a responder perguntas sobre os pais adotivos. O rapaz foi encontrado morto aos trinta e três anos, enforcado com a própria gravata e uma mala amarrada nos pulsos cheia de notas de dez reais. O corpo estava numa rua sem saída no bairro de Nordeste, Salvador.
O rapaz que, quando criança, não possuía nem um colchão sujo para descansar os pequenos ossos trabalhadores cresceu com o auxílio dos pais adotivos e tornou-se um homem de negócios. Forte, frio e ambicioso, aquele menino franzino que jaz num passado distante, ficou conhecido por abandonar seus únicos parentes acolhedores após deslumbrar-se com um mundo movido pela ganância e pelo dinheiro.
A velha nem sequer compareceu ao enterro e seu marido foi visto lá pelas bandas do cemitério tomando cachaça e dizendo: “Agora tenho certeza que o desgraçado tá morto!”
Ao chegar em casa, totalmente embriagado, o velho encontrou dois homens muito bem vestidos sentados no sofá e tomando um café preparado pela velha desdentada. “Vamô fazê esse despacho logo, meu rei! Que hoje é dia de festa!” – balbuciou o homem, ainda com a garrafa de cana na mão.
Em silêncio, um dos homens colocou uma pasta sobre a mesa e mostrou o conteúdo para o casal. Eram alguns papéis, contratos e dinheiro, muito dinheiro. O velho ficou sem entender nada, ao contrário de sua esposa que sorria e gargalhava como se aquele fosse o melhor momento de sua vida: “Vê só! Vê só véio, o que teu filho deixô para você! Hahaha”.
Esfregando os olhos e tirando as moscas de cima da mesa, o velho pegou um dos papéis. Era uma pequena carta com o título Dedico à papai, onde o rapaz confessou ter aprendido muito sobre aquele mundo místico e sobrenatural em que seu pai vivia, mas por outro lado, conheceu também os melhores prazeres da vida. Soube gozar de todas as oportunidades que lhe apareceram e não se perdoara por um único motivo... não ter levado consigo a boa e velha mãe que fora violentada e sofreu durante todos estes anos, e nunca deixou a fé em Deus de lado.
“É meu pai, o senhor me deu um esperança de vida, a qual eu soube aproveitar, mas retirou a vida de minha mãe antes mesmo dela nascer. É meu pai, você veio ao mundo predestinado a fazer o mal. Eu nunca menosprezei teus conhecimentos, bem pelo contrário, aprendi muito com o senhor; e é por isso que deixo todos os meus pertences à você que sempre odiou minha riqueza, não me aceitou mais em sua casa e sempre me maltratou por ter tido sucesso na vida.
É meu pai, você matou, você feriu, você sempre usou seus poderes em prol da dor. Mas lhe garanto meu pai que aprendi muito com o senhor e tenho certeza que hoje, no dia em que o senhor está lendo estas palavras, meu poder é mais forte do que o seu e por isso o amaldiçôo a sentir todo o sofrimento que gerou durante sua existência e em sua forma humana. Te dou tudo, meu pai! Mas neste seu restante de vida, sofrerá...”
Mesmo depois de receber a herança do filho, o casal continua morando no mesmo casebre lá na beira da BR, próximo ao campo de futebol. O velho, continua perambulando pelas ruas, mas não vive mais de despachos. A velha, exatamente por estar muito velha, quase nunca é vista, mas se um dia você encontrá-la pelas ruas de Cruz das Almas ou sentada defronte a uma casinha de madeira na beira da estrada, você pode ter certeza...ela estará sorrindo.
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