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Cronicas-->A Viagem a Monte Verde -- 30/10/2000 - 00:57 (José Renato Cação Cambraia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Há quem não goste de piadas. Eu mesmo, pra falar a verdade, rio pouco quando alguém me conta uma. Geralmente, dou um sorriso simples, seguido de um "hun" nasal. No máximo, dois ou três "há", quando a piada é inteligente ou muito bem bolada. A verdade é que sou um ouvinte chato de piadas, mas, apesar disso, gosto delas. E, como ia dizendo, há quem realmente não goste. Mas poucos resistem aos casos verídicos. Por melhor que seja a piada, ela nunca será tão forte quanto um caso verídico. Quando, numa roda de piadas, alguém diz "Pois agora vou contar um caso verídico...", todos param e dedicam a maior atenção ao narrador. O que vou contar agora pode parecer piada, mas acredite: você está diante de um verdadeiro caso verídico. Desses que aconteceram de verdade!
Tudo aconteceu há uns seis anos atrás, quando um grande amigo (não vou revelar sua identidade para não comprometer sua atividade profissional de tocador de tamborim) me convidou para estrear sua barraca de camping que acabara de comprar no Mapping por cem pratas. O plano era simples: pegaríamos um ónibus em direção à fronteira com Minas com destino a Monte Verde, cidade cravada a mil e seiscentos metros de altitude, na Serra da Mantiqueira, onde, acompanhados de belas camponesas, nos embriagaríamos de vinho sob o doce luar das montanhas. Tá bom.
Saímos de São Paulo cinco da manhã, um horário que só existia na minha imaginação, em direção a Bragança Paulista, de ónibus, onde perguntaríamos como fazer para chegar até Monte Verde. Até ali tudo certo, pegamos outro ónibus até Extrema, no pé da serra, já no extremo sul de Minas. Ali havia um circular que subia até a pequena vila turística. Foi naquele momento que o corvo da má sorte começou a nos bicar. Devia ser umas dez da manhã e o ónibus só sairia às quatro ou cinco da tarde, não me lembro direito. Fomos até a praça central para procurar alguma coisa pra comer, e acabamos almoçando numa pensão. Ainda me lembro do gosto do frango ensopado, arroz e purê de batatas daquele humilde estabelecimento. Uma delícia! Enquanto eu fui tirar uma pestana no banco da praça, meu amigo foi dar uma volta pela cidade.
Passadas as horas, lá estávamos frente ao monstro de lata queimador de óleo diesel, que chacoalhou durante uma hora e meia (que mais pareceram dias), tentando bravamente vencer a luta entre a potência do seu motor e a grande inclinação da esburacada estrada que nos levaria ao sonhado paraíso "alpino".
Finalmente, o portal da cidade à frente. Cansados, sujos e famintos, descemos ansiosamente daquela lata-velha com intenção de procurarmos, o mais rápido possível, o melhor camping dali. Hoje eu daria tudo para poder ser, durante aquele instante, o cara do balcão de informações. Só pra olhar a cara de espanto seguida de desespero daqueles dois bocós ali que desceram do ónibus agora e estavam parados em frente à placa de "PROIBIDO ACAMPAR".
- E agora, carinha?! Tamo ferrado!
Resolvemos entrar na cidade mesmo assim, pra ver qual era o esquema. E descobrimos que o esquema era de hoteizinhos chiques e aconchegantes, fora dos nossos padrões financeiros naquele momento. A noite já ia caindo, passava das seis horas, e estava ficando escuro. Precisávamos encontrar um lugar pra dormir. Decidimos continuar com o plano, e então invadimos um terreno no meio de um mato por onde passava um pequeno riacho e ali montamos criminosamente nossa barraca, com medo a todo instante que alguma força policial anti-camping viesse nos expulsar, com seus pastores-alemães latindo raivosamente e homens com lanterna correndo e gritando "ali, ali, pega, Thor!".
Devo salientar que já estava completamente escuro, e a lanterna rayo-vac não ajudou muito na montagem da pequena barraca. Apesar de já cursar engenharia, eu ainda não havia cursado a disciplina "montagem de barracas em braile", portanto a estrutura ficou uma verdadeira porcaria, toda torta. A lona ficou embarrigada e caída, e não se encaixava de jeito nenhum na estrutura de alumínio. Era o melhor que dava pra fazer.
A fome então bateu, e resolvemos preparar o jantar: almóndegas enlatadas (uma das primeiras vezes que usei meu canivete suíço), pão pullman e coca cola quente. O frio começou a bater, e, cansados, fomos dormir. Apesar do terreno irregular e um pouco inclinado, dormimos logo, devido ao cansaço. Banho? Escovar os dentes? Rá!
Mas, no meio da madrugada, acordei assustado. Trovões e relàmpagos. "Ai, ai, ai... era só o que faltava". Começou a chover. Choveu muito. Mas muito! Um frio de lascar, a barraca foi cedendo ao peso da água e do vento, até que senti a lona encostando no meu joelho. A água corria por baixo do "assoalho" da barraca, e eu rezava pro rio não subir e levar a gente montanha abaixo. Dentro da barraca, nossos comentários eram somente do tipo "Que merda, cara!".
Depois dessa noite tenebrosa, logo quando o sol saiu, acordei ouvindo um barulho de passos ao lado da barraca. Passos lentos sobre a grama. Com minha perspicácia de detetive nato, percebi que não era um só. Pelo menos dois. Cutuquei meu amigo e fiz um sinal de "2" com os dedos e apontei para fora. Os passos continuavam a rodear a barraca. Resolvi abrir o zíper da frente. Quando vi aquela cara branca e peluda, levei um susto, mas fiquei aliviado. Era uma vaca.
Levantamos, fomos até o rio para escovarmos os dentes (aliás, não duvido nada se aquele rio era utilizado para despejo de esgotos das casas da redondeza), tomamos um café da manhã com leite e Toddy e fomos unànimes ao decidir que deveríamos sair dali o mais rápido possível.
Logicamente nossa saída não poderia nunca deixar o nível cair, ou melhor, subir: ficamos no portal pedindo carona, e descemos a montanha na carroceria de uma caminhonete Toyota de um japonês, carregada de frutas. Enquanto eu terminava um pacote de bolachas Passatempo, meu amigo resolve abrir o vinho, aquele que tomaríamos com as bondosas e receptivas montanhesas de Monte Verde, ali mesmo na Toyota, chacoalhando muito. Comecei a passar mal e só não vomitei porque respirei fundo e comi uma goiaba roubada do japonês.
Este foi o caso verídico, que na verdade só terminou quando voltamos a São Paulo. Eu estava sujo e fedendo como nunca estive antes. Logicamente não pretendo repetir nunca mais essa experiência, porém eu lhe digo, meu caro jovem sedento por aventuras, só há uma coisa melhor do que ter um caso verídico para contar: ter participado dele. Principalmente se o caso consistir numa aventura furada, quanto mais furada, melhor, pois ela renderá, no mínimo, boas risadas.

A SEMANA - 29/10/2K





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