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Contos-->O GATO BRANCO -- 16/06/2007 - 20:32 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No crepúsculo da minha vida, já com oitenta e muitos anos, relembro com saudade aqueles olhos grandes, vivos e meigos; mais tarde, suplicantes e tristes; por fim, sem brilho… Mas eu vou contar!
*****
No ano em que acabei a instrução primária, como se chamava então, meus pais tinham prometido dar-me um gatinho branco se eu passasse no exame. Logo combinei que, se fosse gata, seria a Branca de Neve; se fosse gato, chamar-lhe-ia Esquimó.
Passei no exame e, no dia seguinte, meu pai trouxe para casa aquele que seria a partir daí o meu companheiro de todas as horas. Era um gato e baptizei-o como previsto. O Esquimó era muito meigo e brincalhão. Adorava brincar com cordéis e bolas de papel. Cada vez que eu chegava a casa, estava à minha espera no hall de entrada. Gostava de dormir na minha cama, junto aos pés, e eu deixava.
*****
Entrei para o Liceu e, à medida que os estudos avançavam e se tornavam mais difíceis, comecei a ter menos tempo para ele. Ao chegar a casa, ele lá estava para me saudar. Afagava-o rapidamente e metia-me logo no quarto para estudar. Fechava sempre a porta, pois de outro modo o Esquimó entraria e não parava de miar até eu lhe dar colo e impedindo-me assim de estudar. Um dia, em que me esqueci de fechar a porta, ele entrou e saltou para os meus ombros arranhando-me, mas nada de especial. No entanto, dei-lhe um grito e ele fugiu assustado. Nessa noite já não foi dormir comigo.
*****
Deixou de me ir esperar à chegada a casa e andava triste pelos cantos. Quase deixou de comer, só bebia água.
Um dia, minha mãe chamou-me dizendo que não sabia onde ele estava. Procurámos por baixo dos móveis e não o encontrámos. Tive um mau pressentimento e corri para a janela da marquise das traseiras. Em baixo, uma mancha branca imóvel fez-me adivinhar o pior.
Desci a escada a correr e bati à porta da vizinha da cave. Pedi para entrar e corri para o quintal. Chamei-o pelo nome e ele olhou-me com os seus grandes olhos. Tristes mas lindos, suplicantes. Parece que me tinha esperado para morrer. A sua cabeça tombou, manteve os olhos muito abertos mas terrivelmente baços. Chorei e aquela imagem e aqueles olhos, acompanharam-me pela vida fora.
*****
Durante mais de setenta anos, pensei nele muitas vezes, sentindo-me culpado pela sua morte. Obviamente que ele morreria, de qualquer outro modo, anos mais tarde, mas assim tinha sido uma morte antecipada e por minha culpa. Nunca ninguém me tirou da cabeça que tinha sido um suicídio, um modo de me chamar a atenção, um modo de me expressar a sua amizade e a sua dor, um meio de me dizer Adeus e de me poder olhar olhos-nos-olhos por uma última vez.
Agora que se aproxima a minha vez de partir, penso no Esquimó com muita saudade. Houve amigos que entraram e saíram da minha vida e outros que ficaram até agora, mas não tenho vergonha em dizer que ele terá sido o meu melhor amigo.
Talvez em breve o vá encontrar. Se isso acontecer, vou pedir-lhe perdão e tentaremos os dois recuperar o tempo perdido.


NB – Menção Honrosa nos Jogos Florais da Academia de Santo Amaro - 2007
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