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Contos-->Pum! -- 08/07/2007 - 11:51 (Hideraldo Montenegro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PUM!



Tudo começou por causa de uma carona. Saí de casa decidido. Hoje, finalmente, tinha criado coragem e ia pedir um aumento. Não dava mais para protelar. Passei a noite toda estudando as palavras que ia dizer. Ensaiei caras e bocas diante do espelho.

Primeiro, bancava o coitadinho, o necessitado. Era uma forma de sensibilizar o manda-chuva. Mas, pensando melhor, achei a idéia tola, infantil. Ele não deveria me dar o aumento simplesmente por pena de mim, mas pela minha reconhecida competência e ponto final.

Como profissional do melhor time de advogados da cidade, tinha ganho todas as questões que tive que defender. Quer dizer, quase todas. Perdi uma, porém, de alguma forma, senti certo prazer em ter perdido esta causa, apesar dos meus brios terem sido abalados, naturalmente, afinal, como legítimo bacharel em direito, não era a verdade que me interessa exclusivamente, mas a minha imagem, o meu ego. Como um verdadeiro advogado, vaidade é que não me falta. Contudo, mesmo ferindo toda “ética” advocatícia, embora tendo perdido, gostei. Estava defendendo um político corrupto. Por mais que tivesse me esforçado não consegui provar a inocência do sujeito. Também, nem a cara do esperto ajudava. Seja como for, no fundo, no fundo fiquei aliviado em ter perdido esta causa. Por sinal, esta história aqui começa no fundo ou pelo fundo.

Enfim, ensaiei outra abordagem, onde entrava seguro na sala do todo-poderoso e simplesmente expunha todos os motivos pelos quais era merecedor de um aumento. Procurei várias formas de fazer isso e, por fim, decidi por uma. Pronto. Estava pronto para entrar naquela sala aterradora, onde todos se sentiam uma barata. Afinal, não era uma. Era um homem, corajoso e competente.

Fui dormir muito feliz, seguro do aumento. Acordei radiante (desculpe-me pela expressão tão delicada). Sentindo-me o mais competente dos advogados (o que, aqui pra nós, não requer muito esforço). Tomei um banho. Tomei café. Liguei para a secretária do chefão marcando uma hora. Vesti-me. Entrei no carro e fui de encontro ao meu aumento. Não existia a menor dúvida.

Alguém pode achar que sou lento só porque passei seis meses elucubrando este pedido. Mas, tinha chegado o dia tão esperado e era isso que importava. Estava pronto.

Estava feliz a tal ponto que, ao ligar o rádio do carro achei até suportável aquela música insuportável de forró eletrônico, com suas letras muito “bem elaboradas” e tão “eloqüentes”. Nem mesmo cheguei a soltar um palavrão ao ouvir tão “refinada” arte, como era costume meu em dizer.

Sentia-me vitorioso, mas havia esquecido dos limites humanos e um homem em seus limites tornar-se uma música de forró eletrônica, pior do que música de pagode.

Quando estava faltando apenas vinte minutos para chegar ao meu grande destino senti uma vontade de soltar um pum, porém, mal surgiu a vontade, a dois metros à minha frente, uma mão foi estendida num gesto de carona. Perdi a concentração do pum que já se desenhava no horizonte corporal.

Parei. O sujeito que me pedia carona era um chato malicioso que trabalhava também no mesmo escritório. Não tinha amizade com ele, nem desejava. Aliás, ninguém queria ter amizade com aquele sujeito. Mas, não podia, ocasionalmente, me furtar a dá uma carona a tal peça. Parei o carro e segurei o pum (não dava tempo pra soltá-lo e não deixar a prova do crime). O chato era um fofoqueiro diabólico. Ele não era do tipo engraçado, mas uma pessoa extremamente maldosa, que não perdia uma chance para ridicularizar, pelas costas, os colegas. Fosse outra pessoa tinha me desembaraçado da situação, ou melhor, do pum e tudo bem. Dava umas risadas (ou não) e estava tudo arejado (ou não). Fosse outra pessoa, tinha soltado o pum e me saía de uma forma espiritualizada (pode-se espiritualizar um pum?) e pronto. Afinal, era um advogado e tinha competência para defender um pum.

Contudo, fazer um negócio desses na frente daquele capeta, era oferecer minha imagem em holocausto. Ficaria queimado (ou fedendo) e aquela não era o momento. Amanhã, quem sabe...Não podia dá uma chance dessas. Não agora. Não hoje.

O pum vinha até a borda, mas eu contraí e segurei a onda. Não podia ser traído naquela hora. O inferno se instalou profundamente em meu ser. E, lá no fundo a luta era braba. Às vezes, pensava que ia perder a guerra. Que tortura!

O infeliz falava sem parar. Como um bom chato, naturalmente falava sobre a vida alheia, sempre criticando algum defeito em alguém, como fosse a pessoa mais perfeita deste mundo. Uma coisa é certa, ele era realmente um chato “perfeito”.

Fiquei feliz ao ver, logo à frente, a entrada do prédio onde ficava o escritório. Pensei, contraindo o máximo que podia o pum completamente pronto para o parto: “é agora. Quando descer do carro e este cara sair de perto, vou liberar geral”.

Mas, mal estacionei e o flanelinha de sempre, muito prestativo e bajulador, já veio abrir a porta do carro para eu sair.

-Bom dia, doutor fulano de tal!

Aquele flanelinha inconveniente (como todos os demais) me fazia sentir um Deus. Era um babão, servil de primeira. Seja como for, minha auto-estima sempre ia a mil quando estava em sua presença.

Há dois profissionais que basta um elogio para que eles se sintam os escolhidos por Deus e, assim, superiores em relação a todos os demais simples mortais: advogados e publicitários.

Como advogado, até hoje não consegui avaliar direito se isto era uma fraqueza ou nossa maior virtude. Creio que virtude.

Um elogio é maravilhoso! E, aquele flanelinha era um expert no assunto. Sabia fazer isso como ninguém.

O chato do caronista se despediu e seguiu apressado para o seu setor, que ficava no prédio ao lado. O flanelinha desgraçadamente me acompanhou até a porta do elevador, falando de futebol e coisa do gênero. O fato é que não podia soltar um pum na frente daquele flanelinha, embora ele merecesse. Tinha uma imagem a zelar. E, para aquele flanelinha, eu era um sujeito importante, poderoso (porque certamente vestia terno, tinha um carro e coisas e tais). Não queria deixar de ser o doutor fulano de tal para aquele sujeito e me transformar, por causa de um pum, em “doutor pum”. Ia perder a moral até para um flanelinha. Enfim, segurei.

Pensei: um elevador lotado, quem vai saber quem soltou? Ri por dentro, porque, afinal, se risse por fora o sujeito, que já estava na porta de saída, ia escapar. Senti um alívio quando o elevador chegou.

É agora!

Mas, que tortura! Quando entro no elevador só existia uma pessoa. Uma pessoa, não, um monumento. Lá no fundo, encostada na parede da cabine do elevador, uma gostosona, daquelas de babar.

Nunca fiquei tão infeliz por cruzar com uma mulher tão gostosa na vida! Minha esperança de me aliviar acabou na hora. Não podia soltar um pum na frente daquela gostosa elegante, de nariz arrebitado. Porém, a tarefa de segurar o parto gasoso estava ficando cada vez mais torturante. O pior que a sala do todo-poderoso ficava no 30º andar.

Mas, pensei esperançoso, quem sabe a gostosa não desce no 8º ou 10º e fico sozinho? Era a minha esperança, porque o prédio tinha simplesmente 40 andares. Já imaginou se ela fosse até o último? Todavia, passou o 8º, 9º, 10º, 11º e ela não se movia. A bem da verdade, nem eu. Aliás, já não podia nem piscar. Qualquer movimento era um risco do bicho se soltar.

Nunca desejei tanto me livrar de uma presença de uma mulher tão gostosa!

Naquele instante achei ridículo todos os demais sofrimentos humanos. Não vi sentido em nenhuma teoria filosófica, por mais profunda que fosse. Afinal, a profundidade da minha situação, naquele instante, era enorme.

O mundo, a ciência, o conhecimento, a inteligência, tudo sumiu da minha frente. Tudo se tornou banal, senão tolo. Estava concentrado num só ponto, onde estava o x da questão.

Mas, a esperança voltou quando cheguei ao andar em que ia descer.

-É abrir o elevador e disparo ali no corredor – pensei.

Porém, foi o elevador abrir as portas e dei de cara com um Juiz de Direito de uma vara (tudo que não precisava agora, para não complicar mais a minha situação, era de uma vara) que eu freqüentava habitualmente. Ele veio logo ao meu encontro, impedindo aquilo que já não dava mais para ser impedido.

Falava-me sobre um processo. Mas, já não escutava mais nada. Não sabia se tinha que concordar ou não de suas indagações. Sei que os meus olhos estavam arregalados. Estava com medo de piscar e, até mesmo, de respirar.

Estava ficando muito chateado.

Aquilo era um complô, não é possível! Pensei em soltar o pum ali na cara dele só por desaforo, mas me controlei. Não poderia fazer isto na frente daquele excelentíssimo filho da mãe!

E, para piorar a situação, ele teve a infeliz idéia de me acompanhar até a mesa da secretária do grande-poderoso, enquanto discorria sobre sei lá o quê e me perguntava o que achava.

Eu só achava uma coisa: Vá para o inferno e deixe-me soltar o meu pum em paz!

Mas, é claro que esta fala eu engoli como tentava engolir o danado do pum.

Quando chegamos até a secretária ele se despediu e eu continuei paralisado, com uma cara de idiota. Olhos abertos e a mente entupida. Era como se uma parte do pum tivesse preenchido o meu cérebro, por falta de saída.

Só escutei a secretária dizer que havia confirmado, conforme minha ligação, minha conversa com o grande poderoso.

-Ele já está lhe esperando!

Evidentemente, eu poderia ter soltado aquele danado do pum na frente da secretária, afinal, uma secretária é apenas uma roupa, não existe como pessoa, é neutra. Alguém criada por uma farda, sem personalidade, se não fosse por um detalhe, e, talvez, o pior deles: era apaixonado por ela (ou pela sua farda), apesar de tudo. Aliás, era louco por ela. Estava paquerando-a já há algum tempo. Como poderia soltar um pum na frente daquela coisinha doce?

Todos os homens se apaixonam por secretárias e professoras, talvez, porque elas pareçam intocáveis. Parecem que não são de verdade. Embora, conheça histórias de arrepiar sobre secretárias e seus respectivos patrões. Mas, isso não pode ser verdadeiro. A gente não consegue sequer imaginar as danadas nuas!

Enfim, ela me acompanhou até a porta do chefão e abriu-a para mim. Com um esforço sobre-humano conseguir chegar até a cadeira que ficava na frente da mesa do todo-poderoso e sentei.

A citada cadeira era daquelas que são preparadas (sabe-se lá como) e colocadas estrategicamente para a gente ser encolhido. Elas são projetadas para a gente se sentir um verme, um nada.

Não me intimidei. Não tinha mais nada a perder. Já estava achando que não iria sobreviver. Mas, quando fui abrindo a boca, proporcionalmente foi abrindo todas as outras saídas do meu corpo também. Relaxei e, inevitavelmente, o pum se soltou.

O mais surpreendente é que não foi, como esperei, daqueles silenciosos, mas odorificamente mortais. Poderia, neste caso, fingir que não tinha sido o autor e até insinuar que tivesse sido ele, até ele mesmo ficar na dúvida e se convencer que sim. É a tradicional história do pum num elevador lotado onde todos se sentem constrangidos e culpados.

Contudo, o danado saiu como uma rajada de metralhadora num ra-ta-tá explosivo. Foi uma bomba de fedor.

O chefão me olhou espantado como tivesse sido atingido mortalmente por uma bala. Até temi que isto tivesse ocorrido de fato, de alguma forma.

Enfim, deixei de ganhar um aumento e, para completar, fui despedido por desrespeito.

Apesar do alívio físico (e mental), fiquei chateado com todos que tinham cruzado o meu caminho naquele dia. A culpa tinha sido especialmente daquele filho da mãe do caronista. Se ele não tivesse pedido carona eu tinha ganho o aumento e, certamente, estaria namorando a secretária.

Quando estava saindo do prédio, ainda meio desorientado, cruzei com ele. Não perdi a viagem. Ainda restava uma sobra de gazes. Parei em sua frente, com uma cara de desespero e disparei.

Soltei o maior pum que alguém já soltou na vida. O fofoqueiro ficou impactado. Ele sentiu (e como sentiu!) que aquilo era mais do que simples gazes. Era um tiro em sua inconveniência.


Hideraldo Montenegro
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