O pesadelo começou quando o músico Zamiantin chegou, feliz como sempre vestido de uma indolência peculiar e característica. A Taberna de Virgílio aos poucos foi tomada pelo caos, um inferno de beberagem e alegria, refúgio único de uma noite inteira de uma interminável e deprimente nevasca.
A diferença é que os bebuns, mulheres da vida, apostadores de rinha e o variável leque de cafajestes, trapaceiros e vagabundos não estava lá. A Taberna de Virgílio, naquela noite, fora visitada pela gente honesta da sociedade claustrofóbica de Rio dos Véus.
O pano caiu quando a vizinha da alameda Oriental beijou violentamente o vizinho da rua Sudeste , entregando-se a luxúria de um desejo incontrolável reprimido em anos de resignação e comportamento ilibado. Seus pares não se incomodaram, se entregaram a sorte em corpos aleatórios escolhidos unicamente pela liberdade pulsante.
A Taberna de Virgílio, sob a música alegre e estimulante de Zamiantin e seu acordeon, tornou-se naquela noite o templo do amor impossível com cenas bestiais de intenso afeto numa coletividade nunca vista antes. Todos desfizeram de seus pudores. Dançaram, beberam, cantaram, amaram até se fartarem. Possuídos pelo esgotamento completo, tombaram pelas mesas, cadeiras ou até mesmo no chão da maravilhosa Taberna, adomerceram o profundo, saboroso e homérico sono.
Cada qual no conforto de seu lar, foram acordando. O sol brilhante e castrador logo se fez presente, e todos voltariam ao estado de servidão, entregues a mesmice do cotidiano, escravos de uma engenhosa mentira coletiva. Pudera estarem dormindo naquele sonho abissal.
Virgílio, espectral, crivou os olhos no copo daquela bebida mágica e cristalina, aquela que servira aos novos e improváveis convivas. Disse a si mesmo, enquanto lembrava mecanicamente de Tobias Barreto: “Doce e enfadonha liberdade, quem és tu senão prisioneira obediente de nossos desejos”. |