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Contos-->CONTANDO ESTRELAS (contado por Frei Vitório Mazzuco) -- 31/07/2007 - 11:14 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CONTANDO ESTRELAS

Frei Vitório Mazzuco*


(...) Frei Vitório conta que a vida de Frei Ruy, também franciscano como ele, sempre foi ali, junto com os hansenianos, onde mora há mais de quarenta anos na colônia de Piraquara, na grande periferia de Curitiba.

Aliás, conclui, um dos nossos trabalhos é justamente ajudar a localizar hansenianos através de nossas obras e indicar o melhor lugar para o tratamento.

“Recentemente, levaram para este hospital, um hanseniano encontrado na floresta do Pará (a floresta amazônica). Ele veio com avião da FAB. Estava completamente deformado. Quando encontrado, seu rosto era uma chaga só. Além disso, insetos, mosquitos, depositavam a larva nas feridas. Seu rosto era um impacto.

Ele foi entregue para nós, franciscanos, em Curitiba, às 17:00hs. Frei Ruy foi buscá-lo e às 18:00 horas já estava na enfermaria da colônia em Piraquara.

Frei Ruy e duas enfermeiras, pacientemente (o primeiro trabalho foi com uma pinça cirúrgica) tiraram um por um centenas e milhares de vermes, larvas. Era um ninho, um trabalho de horas (das 18 às 21 horas).

Foram preenchendo todos os recipientes cirúrgicos, tirando larva por larva Por volta das 21 horas, a exaustão tomou conta do doente, do Frei Rui, assim como das enfermeiras. Um cansaço imenso... e aquela situação difícil, desafiadora: o paciente ali, um humano sendo comido pelos vermes e pelas chagas.

Após o término dessa difícil tarefa, seguiram os passos para a assepsia, banho, curativos e finalmente, a hora de levaram o doente para dormir.

Exausto, Frei Ruy às 9:40 horas já estava em sua cama num sono profundo, quando escuta bater em sua porta:

-"Pan, pan, pan..." Ele vai atender e percebe que o hanseniano está à sua porta e, apesar do rosto completamente deformado, tinha um sorriso maravilhoso. Nem os médicos, tampouco, as chagas, tinham esgotado sua vitalidade. Ele podia ter o corpo em ruína, mas sua alma ainda sorria. Ele diz:

- “Frei Ruy o Sr. tá muito cansado?”

O Frei Ruy diz: - “Não!”

Ele explica: “Eu vim da floresta, eu tô com saudade das estrelas. Eu tô com saudade da lua. Eu tô com saudade do céu que eu via lá na floresta . Aqui tem muita luz, mas por outro lado, eu tô vendo as estrelas. Nós estamos aqui na colônia e hoje, o céu tá muito estrelado, mas eu tenho uma curiosidade, Frei Ruy: lá na floresta eu perguntava... perguntava e ninguém nunca conseguiu me responder. Como o Sr. é um homem que me deu atenção eu queria que o Sr. me respondesse uma mera pergunta: Quantas estrelas têm lá no céu? “

Frei Ruy pensa: “Nunca ninguém me fez essa pergunta.” Como é que um homem corroído como esse, quase que apodrecido na aldeia, que chegou aqui num estado que ninguém queria vê-lo, tocá-lo... Como um homem que nunca experimentou o cuidado... Como é que sua alma sensível não está corrompida e faz ainda uma pergunta existencial? Afinal, não é uma mera pergunta estatística: Quantas estrelas têm no céu?

Era impossível dizer para aquele homem à sua frente que não sabia quantas estrelas haviam no céu. E cria com ele uma tática. Fala assim:

- Olha, é o seguinte, eu não sei... mas desconfio que é uma coisa que nós podemos saber. Vamos contar? E levou no pátio, e disse:

- Olha: eu monto uma cruz no céu, assim: duas partes aqui, duas partes .... você conta aqui, e eu conto aqui.

E aquele homem desfigurado começa devagarzinho, porque ele não tinha mais rosto, mas tinha olhos e sabia contar. E começa devagarzinho, um dois, três quatro... E Frei Ruy rapidamente segue em frente: uma duas, três, duzentas, duzentas e quarenta, duzentas, mil, mil e quinhentas, e o homem passando... Num determinado momento, Frei Ruy diz para ele:

- Quantas estrelas você contou aí? Frei Ruy tinha duzentas e ele um milhão e trezentas.

Então, disse-lhe o frei, você soma (...) aqui agora o Universo que deve ter quatro vezes esse tamanho e então deve ter mais ou menos uns vinte milhões de estrelas. Tá bom?

Ele falou: - “Tá bom! “

- Agora sim, podemos dormir. Boa noite, boa noite!

E não demorou muito, quando Frei Ruy escutou novamente o toque de batida na sua porta:

-" Pan, pan pan". Já passava de meia noite... Era novamente o hanseniano dizendo:

- Frei Ruy, eu não consigo dormir.

- Mas você tá com muita dor?

- Não, eu estou muito feliz. Eu estou muito feliz, porque pela primeira vez na vida alguém contou estrelas comigo. Pela primeira vez na vida alguém teve tempo pra me dizer as coisas que eu sempre quis saber. A doença não tirou em mim a vontade. A doença não tirou de mim a vontade que eu tenho de conhecer a vida, de conhecer as coisas do mundo...

Então, após contar essa história, Frei Vitório prossegue com o relato: “ Prestem atenção, a língua francesa diz que ‘conhecer’ significa ‘nascer com’ Assim, conhecer , experimentar é nascer junto com a experiência. O trabalho dos profissionais que lidam com a hanseníase, a vida desses profissionais, a competência, o profissionalismo, a capacidade utilizada significam o verdadeiro conhecimento.”

Nascer junto com a experiência do humano que sonha, fazer valer o melhor do humano... faz parecer que podemos esperar um mundo mais humanizado, um mundo possível de ser recuperado.


*Frei Vitório Mazzuco – escritor, conferencista, pertence a Ordem dos Frades Menores. É paulista, nascido em Jundiaí, atualmente é o VICE_PROVINCIAL da PROVINCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÂO DO BRASIL, com sede em São Paulo.

texto extraído de palestra proferida durante o XVIII Encontro Estadual de Avaliação das Ações de Controle da Hanseníase/ SP, setembro de 2006, por Frei Vitório MAzzuco) - Divisão Técnica de Hanseníase/CVE/CCD/SESP-SP – 2006 (gravado e editado por Mary Lise C. Marziliak)


reorganizado e postado por Heleida Nobrega/2007
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