Em Baturité, cidade interiorana do Ceará, havia um cambista do jogo do bicho conhecido por Chico da Preta. Chico corruptela de Francisco e da Preta por causa de sua mãe. Solteirão, morava sozinho com dona Preta, uma senhora de idade bastante avançada. Ele, na época, já um quarentão. Foi nosso vizinho por vários anos. Bastante conhecido na cidade e um dos poucos a trabalhar com jogo do bicho naquele tempo. Ótima pessoa. Único defeito: a cachaça. Vício, que mal só fazia a ele mesmo e a mais ninguém. Quando tirava o dia para beber, o expediente não terminava. As apostas no jogo só era encerradas depois do resultado conhecido, que era anunciado oficialmente através da Rádio Jornal do Comércio do Recife. No dia seguinte aos porres do Chico, o banqueiro do bicho enfrentava uma confusão dos diabos, mas não pagava as apostas. Depois que contornava o problema, o Chico voltava a trabalhar normalmente. Não sei como as coisas se resolviam, mas tudo dava certo no final. Porém, acho que os ganhadores, depois de certo tempo, concordavam em receber somente o valor da aposta feita e o caso era encerrado. E o Chico continuava seu trabalho sem problemas, pois, afora esses pequenos contratempos era mesmo querido na cidade. Um sujeito, como se diz, nem mel nem cabaça. Acredito até que muitos jogavam só para terem o prazer de criar confusões.; não tinham o mínimo interesse no dinheiro, porque já sabiam de antemão o resultado do jogo e que o prêmio nunca seria pago mesmo, porque agiam de má fé. Na cidade, todos sabiam das cachaças do Chico e dos problemas que surgiam dela em relação ao jogo do bicho. Tudo era mais molecagem do que mesmo vontade ou intenção de ganhar no jogo do bicho. O banqueiro do bicho não queria nem saber, porque já conhecia, antecipadamente, o que acontecia quando o Chico bebia.; não pagava as apostas e o Chico continuava sua vidinha. Mantê-lo no emprego era uma questão de caridade. Embora o ganho fosse pouco, era quase o sustento do Chico e da sua pobre mãe, que, inclusive, tinha que completar os ganhos do Chico com lavagem de roupas. No dia que tomava um daqueles seus porres, o Chico chegava em casa e ficava sentado numa calçada em frente, fazendo trejeitos, ou como se diz aqui no Ceará, mungangos, até o sono chegar e ele entrar para dormir. Não perturbava ninguém. Simplesmente ficava ali bêbado, não sei se esperando o tempo passar ou melhorar do porre. A pobre da dona Preta, vendo o filho naquele estado, não se cansava de reclamar tentando ajuda-lo a deixar a bebida. Dava-lhe conselhos. Xingava. Entrava e saía de casa para ver como ele estava. Trazia comida, chã, o que fosse para ver se ele melhorava e ia dormir. E para o filho deixar a cachaça fazia de tudo. Em vão. Certo dia, ela não aguentando mais, saiu na porta da rua, pegou o Chico, que estava sentado no lugar de sempre, e começar a lhe dizer poucas e boas. Lá pelas tantas, depois de vários sermões, da velha, sem resultado, ela saiu com esta: - Chico, crie vergonha! O Chico que não se fez de rogado, rápido respondeu. - Mãe, como vou criar vergonha, se o quintal está todo no aberto? E no outro dia continuou na cachaça.
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