Os pratos da balança
Fernando Zocca
Van Grogue não era fumo de corda, mas estava bem enrolado. Como todo mundo sabe, ele sempre confundia tudo: numa ocasião chegou a pensar ser patologista o sujeito que estuda patos.
Sua mente primária, aquele excesso de zelo, o desejo de posse, e a certeza de que Malu K. Grogue, sua concubina esmerada, “costurava a piaçaba pra fora”, deixavam-no atarantado.
Então o pobre Grogue, entristecido, naquela manhã de segunda-feira, munindo-se de uma garrafa da mais pura patrícia, do maço de cigarros “Jesus me acuda” e de um exemplar de domingo do Diário de Tupinambicas das Linhas, tomou um ônibus circular, descendo perto do salto do rio Tupinambicas das Linhas; e depois de caminhar um pouco, sentou-se num banco instalado debaixo da sibipiruna, na avenida beira-corgo, passando então a usufruir a sombra benigna.
Devido à ressaca advinda das bebedeiras de sábado e domingo ele não queria saber das notícias do jornal e, acendendo um quebra-peito viu no esvoaçar da fumaça uma margarida que varria freneticamente o chão.
- Ô minha cachola! Parece que tomei uma vassourada nos cornos.
Ele firmou os olhos e pôde ver do outro lado da avenida, distante uns cinqüenta metros, uma velhota que, irada, passava a vassoura na cabeça de um moleque rueiro.
Van percebeu que quando o menino esboçou reação, surgiu lá de dentro da casinha um homem falando grosso a amedrontar o menino.
Ao sair correndo o guri pôs-se a gritar:
- Leoa loba boba! Leoa loba boba! Leoa loba boba!
Enquanto assistia a cena, Van nem percebeu que sentou ao seu lado um sujeito emagrecido, careca proeminente, barba branca e rala, barriga convexa, aparentando uns sessenta anos e que pigarreando, depois dos cumprimentos formais, foi logo dizendo:
- O senhor viu só o que aconteceu outro dia lá na vila Dependência?
Van nascido e criado em Tupinambicas das Linhas sabia que ali os contatos com estranhos eram comuns e, à semelhança das demais cidades de pequeno porte, as pessoas geralmente se falavam nas ruas, mesmo que não se conhecessem.
Van respondeu:
- Não, senhor, eu não vi nada.
Então o forasteiro passou a contar o caso:
- Uma mulher, bem nova, com muita raiva do marido que a traia, resolveu vingar-se fazendo uma maldade, que ela considerava maior ainda do que a traição que sofria.
Ela esperou que todo aquele pessoal freqüentador do bar se reunisse e quando estava todo mundo ali, ela parou defronte ao boteco e começou a gritar que Mané a havia estuprado. Nossa! O alvoroço foi geral. Do silêncio naquela multidão vinham olhares odientos e percebia-se, pelo crispar das mãos, que a turba já queria fazer a justiça própria.
O pobre Mané estava “pra lá de Bagdá” e alheio ao que acontecia achou que estava tudo certo. Aqueles que poderiam desconfiar ser a conversa da denunciante mentira calaram-se.
A mulher continuava clamando, dizendo, apontando o pobre bêbado, e informando que ele tinha “feito mal” pra ela.
Foi então que a turba, incontrolável, desceu o cacete do Mané que nem sabia porque estava apanhando.
Sabe o que aconteceu com ele? Ele morreu!
A polícia chegou e prendeu quatro ou cinco. Deu o maior aperta-chico.
Quando o forasteiro parou de falar, Grogue, mais tonto que mosquito atingido por inseticida, disse:
- É bom que cuidem da própria vida, porque enquanto eles cuidam da vida alheia, a deles passa e nem percebem.
Ao notar, pela expressão facial do forasteiro, que suas palavras soaram dissonantes, Grogue levantou-se e, falando enrolado, fazendo uma salada de palavras, exprimindo-se de forma ininteligível, saiu buscando um banco mais sossegado.
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