A Grande Resolução
autor: Maria de Lourdes Prata Garcia (Lola Prata), “O Imperador está Chegando”, 1999
Voltava da igreja, caminhando lentamente. Olhou para o céu e perguntou-se como ousava o sol brilhar daquele jeito, prateando as ondas do mar, clareando ilhas e se refletindo nos navios ancorados na barra. Como se atrevia o astro maior, esquentar-lhe o corpo, amorenarlhe a pele, se su alma se encontrava enregelada? Como fora possível ao bom Deus, apontar-lhe o rumo do sacrifício, quase martírio?
- “Sou moça, meu Senhor”, argumentava ela no colóquio místico; “ainda quero amor, abraços, filhos...”
O cruxifixo silencioso irradiava palavras duras que lhe ardiam os ouvidos:
- “Juraste, para a saúde e a doença...”
O conflito estonteante a agredir os mais sãos interesses e sonhos, desencadeava emoções e a fazia percorrer os labirintos do sofrimento com perspectiva de futuro que supunha negro e sem volta... O ar lhe parecia rarefeito, não a oxigenava devidamente. Amparou-se numa árvore e contemplou a imensidão do mar limitado pelo horizonte: mar que amava, sempre a banhar e enfeitar a cidade onde nascera e crescera.
- “Adeus... adeus, águas queridas, de sal e de sol... até quando? Até sempre?”
Inspirou profundamente, readquirindo forças para o trajeto até sua casa. O portãozinho de ferro, desgastado pelo iodo marinho, rangeu ao toque das mãos trêmulas da dona e permaneceu encostado após sua passagem.
Na sala, contemplando o oceano por entre as cortinas da sala, lá estava ele, pálido, magro, só. Era a expressão viva de desespero contido. Ela chegou-se mansamente ao lado do marido, enlaçou-o carinhosamente... Disse-lhe:
-“Irei contigo.”
Alguns segundos de placidez, depois, descontrolado, encheu o ambiente de repetidos “não... não...”, intercalados se soluços.
Ela o abraçou com firmeza, projetando nele a fortaleza da decisão; chorava também, com a deliciosa sensação de entrega total de sua vida ao próximo, a quem amava intensamente.
Ele tentava acariciá-la com as mãos enluvadas pela gaze alva, mas seus gestos eram desajeitados, sem liberdade de movimentos; porém, vivenciavam uma inesquecível sintonia de fibrilações dos dois corações Permaneceram abraçados, plenificando-se de amor...
Almoçaram, ouvindo o rang-rang do portãozinho de ferro. Ela, eficiente enfermeira doméstica, deu-lhe o alimento na boca e ele o recebeu com sorriso de humilde gratidão; depois enquanto ele descansava, ela preparou a bagagem de ambos.
Telefonou pra a irmã e ofereceu-lhe a moradia, por tempo indeterminado, sem aluguel nenhum. Tudo combinado.
O táxi buzinou na porta chamando o passageiro a quem iria levar ao interior, ao Leprosário Estadual.
O portãozinho gemeu de saudade quando o casal passou e o trancou.
postado por Heleida
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