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Contos-->O CRIME -- 13/03/2001 - 11:45 (Eloá França) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sobre o crime com a lâmina, o sangue que espirrou nas paredes, os corpos um sobre o outro, da moça e do rapaz, trata-se da menina, a menina que andava de um lado para o outro, falava com todos e com ninguém, alegre às vezes e distante outras.

A moça, que diziam ser louca, ficava sempre na janela. Parada. Fazendo parte da paisagem. Ninguém mais prestava atenção. Um móvel esquecido. Apenas a menina a olhava, muitas vezes escondida, da janela em frente.

A menina que era criada pela velha. Olhava a moça. Não se sabe o que sentia. Só ela olhava. Pensava que a moça fazia parte de sua vida, era um pouco sua. Vinha a velha e arrancava-a da janela aos gritos. Todo mundo ouvia. A velha queria impedir a menina de ser louca.

É o que a velha pensava. Eu não. A menina era inteligente. Não pensei que... Mas a menina enganava a velha também. Trazia-lhe um travesseiro, lia-lhe os jornais, esperava-a adormecer. Sono leve de velha. A menina sabia. Criava movimento na cozinha, um fogo aceso, uma água fervendo. No entanto, a velha tinha poderes: conhecia os ruídos, as manhas, percebia tudo. A menina então ligava o rádio para poder conseguir enganar a velha.

E conseguia. Ia para a janela. Silenciosamente. Insetos em volta das luzes da rua. De todos os tipos: com olhos, com asas. Muitos. A moça olhava os insetos. A menina via.

Às vezes ia até a janela como se estivesse acabando de entrar no quarto. Acendia a luz e ia até lá. Olhava para um lado, para outro. Bocejava. Voltava-se. Espalhava os cadernos pela cama. A cama virada para a janela para ela poder olhar a moça. Todos os móveis voltados para a janela da moça.

Muitas vezes a menina brigava com a velha, gritava, mas depois se desculpava, sabia usar as palavras, ser gentil. A velha gostava dela, estava nos olhos este gostar, mas também o desespero, o medo da menina ser louca como a moça na janela, de ela, a velha, não entender mais a menina. O medo de perder a menina para aquela janela. A velha tinha pressentimentos. O medo de perder a menina.

E a menina esperta. A velha a surpreendia vagando, mas num segundo ela se refazia, agradava a velha, escutava as histórias atenta, fazendo a velha lembrar de detalhes que não mais lhe ocorriam... A velha acreditava naquela verdade, na realidade da menina. Na presença.

Depois aconteceu a desgraça com a moça e o rapaz. Mortos. Ninguém sabe como começou. Talvez a menina tenha visto tudo desde o começo. A moça não aparecia mais na janela. Quer dizer, pouco. Sua presença ia ficando rara. No começo as pessoas notaram, mas depois esqueceram. A menina não. Não suportava a mudança. Ficava cada vez mais irritada. Seus gritos com a velha iam sendo cada vez mais constantes. Mas sempre depois das agressões ela se mostrava meiga.

Não se sabe como a menina entrou no quarto. Eu escutei os gritos e fui ver. Quando cheguei vi os corpos e a menina os olhando com a lâmina esquecida na mão. Uma expressão inexplicável e pacata. Surpreendida, como se tivesse descoberto algo, tivesse tido uma revelação. Arrependida também. Percebera outras coisas.

Elas se foram. Fugiram. Todos nós vimos. Todos sabíamos que tinha sido ela, a menina, e não conseguimos fazer nada. Saíram as duas, a velha e a menina. A velha na frente, com os olhos de perda. Era só isto que se via nos olhos da velha. A menina atrás. E feliz. De uma felicidade estranha. Ficamos olhando. A menina não mataria mais. Nunca mais. O êxtase da menina causava admiração, não tinha ironia, não era coisa que eu já tenha visto. Talvez no rosto da moça morta, mas a palidez...
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