Um gosto doce na boca
Encontraram-se numa tarde chuvosa. Algumas horas de intensa emoção. Na companhia, um whisky com gelo e alguns cigarros. Depois se foram pensativos!
Herdaram um gosto doce na boca, um gosto de amora. Ou seria de morango ? Na sequência do amor, ou melhor, no caminho que leva ao amor, um cambiante clarão nos olhos quase atónitos, perturbados, confusos. Olhares entorpecidos, incrédulos, medrosos, no fundo, condescendentes. Gestos silenciosos, cumpliciados, mutuamente submissos.
As forças apiedaram-se dos corpos e espíritos e renderam-se e o quarto sorveu segredos e matizou-os. Viram um arco-íris. Choveu nas almas.
Despencaram nos degraus abaixo, resíduos do passado, mitos, normas de outrora, como deve ser sempre. No semeadouro, mantiveram princípios. Restaram intactas as marcas íntimas, individuais, pessoais, forjadas à custo. Ambos ganharam.
É cedo, muito cedo para um inventário. Vivenciaram momentos dilacerantes e inesperados, nenhum roteiro planejado, só frases, reticentes e quebradiças. Era preciso abrir portas, frestas, fendas para o amor, depois da paixão inexorável.
É a vida, pensaram. Não há maneira mais delicada e afetuosa de enfrentá-la que não seja vivendo-a, permitindo que ela se comunique. Expungir as tralhas empoeiradas guardadas nas gavetas da cómoda, os documentos vencidos pelo tempo, é medida saneadora. Fizeram. Foi a drenagem inevitável à s novas águas.
Viver é muitas vezes devastador. Homens e mulheres e sua natureza especial, complexa, em meio a tanta simplicidade. Necessário acender-se uma chama para que ilumine os mais sutis incidentes de um encontro, e depois adensá-los na memória. É preciso irradiar a esperança, sempre.
Já se disse: é do sonho que se inventa a vida e a vida pulsa, Ã s vezes, pelo simples gosto de morango que a gente sabe no coração! Ou seria amora? Tanto faz...
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