Eu nunca participaria de um programa de reality show tipo o big brother. Em primeiro lugar, tenho minhas convicções. Em segundo, minhas objeções. Em terceiro, minha unha do dedão do pé, que é muito feia e eu não a mostraria na TV nem por um milhão de reais. Mas, supondo que essas predisposições iniciais fossem relevadas (talvez por dois milhões de reais) e eu, por uma malograda sucessão inusitada de fatos, viesse parar dentro daquela casa, tenho certeza que eu não duraria uma semana sequer. Quer saber por quê?
Em primeiro lugar, não consigo gritar "uhú"como aquele pessoal. Eles gritam uhú várias vezes durante o dia, sem o menor sinal de motivo sensato para se gritar a animada interjeição (se é que gritar "uhú" pode ser algo sensato). Não, eu não conseguiria fazer isso.
Em segundo lugar, eu não danço. Sob hipótese alguma eu danço. Então, naquelas festas, eu seria aquele chato que fica pelos cantos e, Ã s vezes, os mais animados vêm pentelhar, puxando-me e gritando "vem, vamos lá na pista", etc. Então os telespectadores iriam ficar me xingando, dizendo "aquele cara é um chato, não faz nada e só mete o pau nos outros" ou "olha aquela unha podre dele!".
Tem outra coisa. Quem me conhece sabe que eu sou extremamente forte. Aliás, até eu mesmo fico surpreso com a potência descomunal dos meus músculos. Mas, para manter as aparências e não chamar muita atenção, mantenho uma capa de banha sobre minha massa muscular que poderia muito bem ser confundida (erroneamente) com uma certa obesidade. Tal peculiaridade da minha estrutura física poderia ser encarada pejorativamente pelos telespectadores, tão acostumados a tipos físicos ordinários aparecendo na televisão e, com certeza, eu ganharia o apelido indevido de "gordinho do bbb" ou coisa parecida. Isso seria uma coisa terrível.
Outro motivo seriam as ferozes críticas que eu teceria contra as novelas em geral. Aliás, a única coisa boa da casa é que ninguém pode ligar a televisão "pra ver a Nazaré". Com certeza a Globo daria um jeito rapidinho de me tirar de lá.
Mas com certeza o principal motivo que me tiraria do BigBrother seria o fato de eu dizer ao vivo para o Pedro Bial, naqueles segundos que em que a pessoa que está no "paredão" e tem que dizer os motivos pelos quais deve ficar no programa, alguma coisa do tipo "se eu fosse você não ligaria porcaria nenhuma, pois isso não lhe faria nem mais nem menos feliz, aliás se eu fosse você eu desligaria essa televisão nesse exato instante e olharia para a pessoa que está do seu lado há tanto tempo que você nem se lembra mais quem ela é ou mesmo quem é você e a chamaria para dar uma volta a pé para tomar um sorvete de kombi e quem sabe experimentar o sorvete dela através de um beijo, ou chamar aquele velho amigo pra tomar um chopp e dar umas risadas, ou ainda dar uma passada na casa da sua mãe e pedir pra ela fazer aquela bolachinha de goiabada que só ela faz, enquanto vocês conversam na cozinha sobre o quanto essa nossa vida é dura, curta e real e quanto a gente ainda fica insistindo em dar cabeçadas atrás de outras realities.
Renato Cação Cambraia é incentivador de qualquer relação que não envolva projeção de elétrons através de um tubo catódico.
