Sentado à mesa do bar tomando a segunda cerveja, Van Grogue pensava nos problemas burocráticos que lhe causavam o verdadeiro cipoal – um labirinto - de normas a serem seguidas.
Naquela manhã de quinta-feira teria outra reunião na subcomissão dos assuntos aleatórios, da comissão de emergência da câmara de vereadores de Tupinambicas das Linhas.
Apesar de bem preocupado com a “lição de casa” (estudo sobre as enchentes que ocorriam anualmente na rua da Porta) que não fizera, Van não poderia deixar de aproveitar os bons ares da manhã para, passando no mais famoso bar da cidade, sentir os prazeres da ingesta da mais espetaculosa e supimpa cerveja extremamente gelada.
No rádio postado ali na prateleira, logo acima da pia onde a tia Lucy Nada lavava – de vez em quando – os copos,vibrava uma canção antiga de amor. Era do tempo em que Van ainda recém-chegado à cidade apaixonara-se pela moça mais dengosa do quarteirão onde alugara casa.
De vez em quando, lá do bar Grogue ligava ao estúdio da emissora pedindo canções que sabia tocarem o coração da moçoila.
Ele não discutia com tia Lucy quando ela chamava-lhe a atenção por usar por muito tempo o telefone. Van tinha conhecimento de que no bar da tia mais famosa da cidade, faziam apontamentos do jogo do bicho e de suma importância era a permanência do aparelho desocupado, para o vai-e-vem das apostas.
Um tanto quanto que deprimido, com o rosto afogueado, naquela manhã, Grogue levava à boca, preso nos dedos amarelados pela nicotina, o seu décimo quinto cigarro.
Ele sentia dores fortes no abdome; talvez fosse a velha úlcera péptica que voltava depois do longo tratamento a que se submetera.
Van lembrava-se ainda das palavras do doutor, na enfermaria do hospital onde o internaram: “O senhor tem que parar de beber! Tem que parar de fumar! Se não fizer isso, nem mesmo falar o senhor poderá. E como é que vai ficar? Não está sentindo essa rouquidão?”
Grogue sabia de tudo o que podia e o que não podia fazer. Mas a três-martelos era a sua paixão. Não viveria sem ela.
Sentindo-se embriagado pela bebida que sorvera, viu-se de repente na dúvida: ir ou não ir para a segunda reunião camarária da semana?
Os assuntos eram chatos, os competidores mais fracos, não haveria tanto interesse dos eleitores. Grogue estava na dúvida, mas tinha que decidir. Ele então pediu:
- Desce mais uma, Lucy!
E naquela noite, na segunda sessão camarária, consignou-se outra falta de Van Grogue o vereador mais borracho de Tupinambicas das Linhas.