O brasileiro é um povo muito espirituoso. Porém, sem querer puxar brasa para minha sardinha, esta espiritualidade é mais latente no Nordestino do que no resto do país, principalmente no Ceará, terra de grandes humoristas.
Aqui, a criatividade do povo, quando se trata de fazer gozações ou criar situações engraçadas, aflora com muita facilidade. Isto já está na alma de cada um de nós.
Pois bem, para entender esta história é necessário um pequeno retrospecto sobre o comércio local em Fortaleza. Até a década de oitenta existiam três grandes lojas em nossa cidade. Duas lojas de departamento: Mesbla e Romcy; e uma loja especializada em móveis e eletrodomésticos: as Lojas Damasceno. As duas últimas genuinamente cearenses; a Mesbla uma força nacional. Todas já quebraram faz tempo.
Naquela época, no auge das três, proliferavam os cartões de créditos mantidos pelas próprias empresas. E o povo fazia a farra. Comprava fiado até não poder mais. No fim do mês, com a inflação galopante, comprar no Romcy era praticamente impossível, pois esta loja vendia também gêneros alimentícios. A Mesbla era outra campeã de vendas, enquanto as Lojas Damasceno, bem menor do que as outras duas, mas uma tradição no comércio local, tinham uma clientela fiel.
Um programa, na Rádio Verdes Mares, era campeão de audiência no horário: o Programa Paulo Oliveira.
Estava eu ouvindo aquele programa, certa vez, quando um ouvinte telefonou para o Paulo Oliveira, que sempre colocava o no ar a conversa que estava sendo travada entre ele e o ouvinte, quando daí surgiu o seguinte diálogo:
- Ouvinte: Paulo Oliveira eu gostaria que me fizesse um favor. Eu sou um assalariado, ganho relativamente pouco, mas com as facilidades que temos hoje para se ter crédito, fiz compras em três lojas da cidade: Mesbla, Romcy e Lojas Damasceno. Eu vinha pagando religiosamente em dia minhas prestações. Depois de certo tempo passei a ter dificuldades financeiras, pois me endividei muito, e atrasei as prestações das três lojas, pois tenho que sustentar a família e ainda por cima temos esta inflação galopante que nos mata. Não sou caloteiro. Sou um sujeito direito, cumpridor das minhas obrigações, mas como disse tive que optar entre pagar as contas e sustentar a família, e fiquei com a segunda opção. Agora que as coisas melhoram um pouco resolvi pagar minhas dívidas, mas como são muitas e grandes não é possível quita-la integralmente. Portanto, tenho que fazer escolhas.
Como sou um sujeito democrático e se escolhesse aleatoriamente um não estaria sendo justo. Portanto, para resolver o problema honestamente criei um sorteio. No primeiro sorteio escrevi o nome dos três credores e coloquei dentro de uma cumbuca. A primeira sorteada foi a Mesbla; no segundo, exclui a Mesbla do sorteio, e coloquei somente o nome das Lojas Damasceno, que venceu, e o do Romcy, que logicamente já é o sorteado do próximo mês.
Acontece que o Romcy vem me cobrando sistematicamente desde o primeiro mês de atraso.Sei que faz bastante tempo, mas já fui lá expliquei minha situação direitinho. Mesmo assim toda semana recebo cartas ameaçadoras, dizendo que vão mandar para meu nome para o SPC e se eu não pagar vão cobrança judicialmente.
Desta forma, o favor que gostaria que me fizesse, era dar um recado ao sr. Antônio Romcy – não precisa nem dizer que era um dos donos da citada loja – ou seja, transmitir a ele isso que acabei de contar e pedir para que ele não mande mais me cobrar, pois se não paguei ainda foi porque a loja dele não foi sorteada, não tenho culpa da falta de sorte dela. Entretanto, no próximo mês ele receberá parte do que devo e voltará a ser incluído de novo no sorteio do outro mês, juntamente com outras lojas. Agora, se ele continuar me cobrando, serei obrigado a tomar medidas drásticas e excluí-lo dos próximos sorteios, suspender o pagamento da parcela sorteada, e continuar o sorteio até quitar minhas dívidas somente com dois concorrentes: Mesbla e Lojas Damasceno. Todos os pagamentos dele, portanto, ficaram pendentes até a liquidação total dos débitos dos outros dois credores.
Muito obrigado e boa tarde, Paulo
- Paulo Oliveira, de nada. Seu recado já está dado no ar. E encerrou a conversa.