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Contos-->Galeria dos exóticos de Picos e região -- 08/11/2007 - 15:13 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A história das personagens esdrúxulas da região de Picos sempre termina com a morte dos personagens, isso não é nenhum artifício literário, é apenas e simplesmente reflexo de um fato social brasileiro - o reconhecimento e a homenagem somente a pós a morte. Se as pessoas aqui citadas possuírem algum parente vivo, que os vivos não tomem como desafeto a história de seus mortos que contamos, mas uma honra à memória deles. A ordem em que está disposta cada história não implica, exatamente, a idade cronológica ou época em que viveu cada personagem, nem mesmo o grau de importância. Contamos fatos ocorridos a partir dos anos sessenta, celebrando a memória daqueles que já se foram, e deixaram uma marca na memória coletiva de Picos.


“A Velha do Fogo”

Quem sabe exatamente o nome dela? Talvez Diassis, pra quem ela com mais de cem anos fez uma colcha de retalhos e lhe deu de presente. Talvez se chamasse Francisca, pois atendia pelo nome de Dona Chica ou quem sabe, Francisca do Nascimento. No tempo da escravidão, os patrões é que davam nome aos escravos nascidos na casa. Para não vinculá-los a algum laço familiar, davam-lhes os nomes, Nascimento, Santos, e outros. Do mesmo modo que nos Estados Unidos ocorria aos Tompsons e Jacksons. Mas o apelido, “Velha do Fogo”, nem os íntimos podiam falar.
Dona Francisca era de cor negra, filha de escravo e escrava até os doze anos de idade. Quando se perguntavam quantos anos ela tinha, respondia de forma enigmática:
- Não sei quantos anos tenho, mas no ano dos três oitos eu tinha doze anos. Referia-se à Lei Áurea de 1888 e à sua libertação aos doze anos de idade.
Seu apelido remetia ao próprio modo com que se apresentava. Não pedia esmolas, mas qualquer pessoa que a conhecesse, sabia de suas necessidades e já lhe estendia a mão com uma moeda. Como forma de agradecimento, ela dançava e cantava alguma música em uma língua desconhecida, pingando fogo e falando de sua vontade de casar-se. Acredita-se que nunca se casou, porque jamais falou de algum falecido marido, mas falar em arranjar marido, era o assunto que mais lhe agradava.
Dava muita atenção quando abordada por um conhecido ou mesmo estranho, mas quem a chamasse de “Velha do Fogo” tinha que se afastar do alcance de sua bengala, senão o cacete comia, nas pernas no lombo... onde ela pudesse acertar uma bengalada...
A Velha do Fogo viajava a pé de uma cidade a outra, com um pano amarrado na cabeça, em forma de manto, e, vestida com roupas que iam do pescoço ao tornozelo. Muito limpa e cheirosa, a velha não tinha cheiro de perfume de frasco, mas apenas e simplesmente de limpeza, de sabão de oiticica ou coco. Morreu na década de oitenta, com aproximadamente 104 anos, mas não se sabe com certeza se morreu. Saiu um comentário que a onça havia comido a “Velha do Fogo!” Comer o quê? O corpo, supostamente dela, estava intacto, nem fera e nem abutre ousou banquetear-se, nem mesmo os vermes. Foi encontrado um corpo, só o couro e o osso, debaixo de uma árvore entre Picos e Ipiranga no Piauí. Provavelmente da “Velha do Fogo”, porque há muito tempo não carregava o peso de carne nas costas. Transportava sobre suas pernas cambotas apenas uma pele escura que lhe revestia o canastro, quase sem nenhuma carne. Não havia carne para dar aos vermes, portanto, não havia cadáver, uma vez que cadáver significa carne dada aos vermes.
A velha sabia de reza braba. Cobra e nenhum outro animal a atingiria. Morreu de fome ou sede, as duas coisas juntas ou nenhuma delas. Morreu com peso da idade, se é que morreu ou ainda continua pingando fogo por aí afora.


A “Véa Rota”


A "Véa" Rota era bem diferente da "Véa do Fogo”. A Rota bebia uma cachaça amuada e ficava de fogo, a outra não precisava beber para parecer estar de fogo. Uma era limpa de boca e vestes, a outra, suja de tudo e por isso, Rota.
Montada no dragão de São Jorge, a Rota lançava baforadas de palavrões ardentes. Porém, certo dia, uma cena deixou estupefatos os transeuntes. A Velha Rota ajoelhou-se diante da cruz na Rua do Cruzeiro, e orava a Deus:
- Ô meu Deus, tanta palavra “fêa” que eu sabia e não me lembro mais de nem uma.
- Ta rezando “Véa Rota”. Disse um pedestre que passava.
- Rota é a "buceta" de sua mãe “fidum-a-égua.



“Fucim de Porco e Barrão”

Joaquim e Valério, ou Barrão e Fucim de Porco eram cegos. Um apenas das vistas, mas ambos, do entendimento. Joaquim enxergava das vistas e puxava Valério pela guia, quem dava uma esmola ao cego, normalmente dava também ao guia. Joaquim, o guia de cego, era aleijado... aleijado de feio. Cada um construiu seu casebre pendurado na aba do morro da Romana e tinham uma visão panorâmica de quase toda a cidade. Um deles era casado ou amancebado com a irmã do outro.
A molecada ficava de longe... um gritava: "Fucim de Porco”, e outro respondia, "Barrão" - só para vê a enxurrada de palavrões que Barrão reverberava, enquanto “Fucim de Porco” mantinha-se em silêncio, como se a cegueira também lhe houvesse levado a voz.
Barrão hoje mora no Jardim da Saudade, talvez numa casa geminada à casa de Fucim de Porco, tal qual na terra. Ele deixou em Picos um bairro com seu nome, a Vila Barrão.


Zé Marca Hora

À semelhança da “Velha do Fogo” “Zé Marca Hora” também não pedia esmolas. Ele chegava, batia à porta dizendo:
-Dona, essa vassoura “mamué “mandou pra ‘sin-hora’. - A dona da casa apiedando-se dele, comprava a vassoura, ainda que no momento não precisasse daquilo, mas de qualquer forma, as vassoura de palha que Zé “Marca Hora” fazia, nalgum momento poderiam ter sua utilidade na casa.
Cada doido tem sua mania, “Zé Marca Hora” era conhecido com esse nome por causa da precisão com que reconhecia as horas, apenas olhando para o céu, mesmo sem sol, e o fazia em qualquer momento, bastava que alguém o consultasse. Até um menino, se lhe perguntasse as horas, mesmo que por anarquia, ele respondia: “é tal hora”. Podia conferir que a diferença não era maior nem superior a cinco ou dez minutos.
Não sei a hora nem o dia que José passou a consultar mais de perto o relógio do sol, pois não está mais em nosso meio. Mais de quarenta anos se passaram depois que o vi, já com idade avançada, entregando as vassouras que “mamuié” mandou.


Nego “Bambu” e “Azulão”

A história do Nego Bambu é página do livro “O Brasil nosso de cada dia”, mas não contempla sua briga com o nego Azulão.
Certa vez, meu pai chegou de viagem trazendo consigo um garoto negro de uns quinze anos. O crioulo havia comprado tecidos e como não pudera pagar, o avô sugeriu que e negro fosse levado para prestar serviço em nossa casa até pagar a conta. Inicialmente, Papai recusou-se, mas o garoto mostrava-se inclinado a acompanhá-lo. Sabia que seu credor era comerciante, e, por conseguinte, poderia proporcionar-lhe melhor passadio do que lhe era possível ter em casa de seu avô e pai de criação.
O garoto atendia pelo nome de Firmino, mas logo lhe veio o adequado apelido de “Bambu”, pois tinha porte avantajado. Era esperto, trabalhador e de boa índole. Bambu mesmo depois que pagou com seus serviços tudo que devia, permaneceu conosco por muitos anos, como membro da família. Saiu já na idade adulta e voltou pra Picos. Casou-se e deu a seus primeiros filhos os mesmos nomes dos dois filhos mais velhos de meus pais: Neomísia e Francisco de Assis, o Diassis.
O Nego Bambu era forte e destemido. Azulão, também. Tomando umas cachaças num boteco, próximo a um cabaré, os dois se desentenderam e partiram para a luta corporal. Amarraram entre si as fraldas das camisas e cada um puxou sua peixeira. Enquanto Bambu cortava as pontas amarradas, Azulão desferiu-lhe uma peixeirada na barriga. A briga terminou com Azulão preso e Bambu hospitalizado. Daí a poucos dias os dois já estavam juntos tomando cachaça.



Zeca Muniz.

Este era um fino alfaiate, de família nobre de Picos, mas por ser de família nobre, não quer dizer que não tomasse umas pingas. Era consciente do que fazia... Certo dia, sabendo que não dava conta de ir a pé pra casa, tomou um táxi na Praça Félix Pacheco, a menos de oitocentos metros de sua casa na Rua Velha.
- Me leve na casa de Zeca Muniz na Rua Velha. O taxista entrou na rua indicada, contornou a praça em forma de “u” - hu minúsculo. Embora todos os lados da praça fizessem parte da mesma Rua Velha, ela era muito pequena! Depois de dar várias voltas sem que o passageiro mandasse parar, o taxista perguntou a uma senhora na esquina:
-Onde é a casa de Zeca Muniz?
Olhando pra dentro do táxi, Dona Rosimar vê o próprio Zeca Muniz e tomada de surpresa, calou-se. Zeca Muniz botou o pescoção pra fora e falou em voz alta.
- A casa de Zeca Muniz, você não sabe onde é não, coisa maluca!


“Zé Câmera de Ar”.

Zé Câmera era uma das figuras populares, cujo nome de registro o povo não conhecia. Talvez José com algum Silva, Pereira ou Santos no sobrenome, senão Nascimento ou simplesmente “Zé Câmara de Ar”. Cheio de artimanhas, descobriu uns patos no quintal de Dr. José Gregório, botou milho de molho e em plena luz do dia, lançava um anzol com isca de milho por cima do muro e pescava os patos do doutor. Por acaso, Zé Gregório indo ao quintal, viu um pato sendo içado muro à cima. Saiu de mansinho, sem fazer nenhum alarde, apanhou um revólver e rodeou o muro.
- Sim Senhor! Senhor “José Câmera de Ar”. É você que já pescou quase todos meus gansos, né? Disse isso apontando um trinta e oito, cheio até a tampa.
Sem nenhuma reação, José Câmara devolveu por cima do muro o pato engastado com um anzol.
- Doutor, eu só tava testando a isca, mas pega mesmo! E ficou por isso.
Bem perto de sua borracharia tinha um boteco onde o Zé tomava pinga, principalmente, à tardinha para “fechar” o corpo e voltar pra casa. O tira-gosto ele trazia de casa. Não posso afirmar se da casa dele ou não. Logo de manhã cedo, deixava sua comida no boteco para quando fosse tomar uma... Normalmente trazia pato, miúdos de frango, moela, fígado ou algum pedaço pequeno, mas quando ia tomar sua pinga, os pinguços das imediações já haviam comido o tira-gosto todo. Um dia, caçando numa lapa nas bandas do “Cristovim”, deparou-se com um ninho de urubu com dois filhotes. Os bichinhos eram brancos quem nem galinha de granja e quase morreram de vomitar quando viram o Zé. Querendo vingar-se dos “amigos” que comiam seu tira-gosto, levou os frangotes de urubu pra casa, preparou-os com bom tempero e na segunda-feira entregou no boteco com a recomendação de não deixar ninguém comer. A galera tava de olho. À tardinha, quando chegou ao barzinho, não tinha mais quase nada, um ou outro pedaço muito pequeno ficara pra o dono.
- Cadê meu tira-gosto?
- Escondi, mas esse magote de cachaceiro entra e pega. Só sobrou isso! – Mostrou um pescoço de ave. Zé Câmera fez a maior encenação:
- Eu mato, eu esfolo o “fila” da puta que comeu meus “urubu!”
A autodenúncia foi evidente, até o dono do boteco correu pra rua em ânsia de vômito.
“Zé Câmera de Ar” era um grandalhão que arrastava mais de 120 quilos de medo em sua massa muscular. Certo dia, manobrando o carro de um freguês, chocou-se com um veículo de seu “Paizim” e desceu gritando: “Seu Paizim, comigo é na paz e no amor, mas se precisar matar eu mato”
Que nada! Nunca matou ninguém, embora seu porte avantajado assustasse muito, só brigava de bate boca, fazendo zoada feito besouro mangangá. A cachaçada o levou a fechar sua borracharia em Picos e abrir outra para “fazer força” nos pneus das carruagens do céu.
Publicado para leitura digital em 26/10/07 na Usina de Letras
Adalberto Antônio de Lima
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