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cronicas-->A Sexualidade da "Menina" -- 03/03/2005 - 22:30 (ednéia maria machado) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ela ia fazer dezesseis anos.
Emocionava lembrá-la, saindo da sala de parto, embrulhada em azuis lençóis, com olhos azuis abertos, que se misturavam ao azul dos lençóis e alcançavam o azul do céu.
Cresceu, acompanhando o ritmo da própria vida, Vez ou outra, seus cabelos castanhos chocavam cabeças que iam embranquecendo ao seu redor.
Sempre foi difícil estabelecer limites de idade. Tão linda e generosa ao olhar os cabelos embranquecidos, dividindo histórias e fantasias, mentindo as mentiras habituais da idade.
E já ia fazer dezesseis anos.
Lembrar que os primeiros balbucios enfeitaram ouvidos desacostumados dos sons da infància e que, em uníssono, vozes adultas repetiram sons sem sentid; trejeitos infantis de bocas; reaprenderam o miado dos gatos; rebuscaram, na lembrança, o barulho da maria fumaça; e fizeram o trator subir ladeiras nunca dantes imaginadas.
Feliz, ela imitava e se via imitada. Sorria e, a cada vez, mais inventava.
Foi crescendo e titubeando nos primeiros passos. Todos se juntaram para colocar o braço em apoio, segurar a ponta da fralda que a manteria em pé, envolvendo-a num imenso e aconchegante abraço de incentivo, carinho, agrado. Mostraram, sobretudo, que ela conseguia caminhar sobre os próprios pés.
Aplaudiram quando de fraldas não mais precisou. Riram e saudaram o xixi e o cocó alegremente colocados no lugar certo.
Deliraram quando, com dois mil quinhentos e cinquenta e cinco dias, foi para a escola. Chorou da primeira vez, depois aprendeu a beleza de aprender a ler, escrever, somar, subtrair, dividir, multiplicar, Descobriu-se seu interesse pelos filósofos, e se comprou enciclopédias. A mãe, solícita, imprimiu o primeiro livro que falava da família. O irmão se juntou ao estupefamento geral e fez os desenhos.
E, agora, ela ia fazer dezesseis anos.
Ouvir suas conversas já não causavam emoção, nem sensação. Comentava sobre o colega da escola, o convite para a noite de sábado. Incomodava-a o seio pequeno, o conhecimento que tinha dos filósofos, as boas notas na escola.
Era chamada para explicar geometria. Se animava mais quando o convite implicava em vestidos curtos, lábios pintados, noites varadas em madrugadas sem livros.
Todos se juntaram de novo. Lembraram quando a ampararam nos primeiros passos, reservaram enciclopédias e conversaram sobre Platão.
E agora: ela ia fazer dezesseis anos.
Entretà-la com bonecas, jogos, jogar pedra n água ... nem pensar.
Os seios agrediam os cabelos brandos. Pequenos e duros, exigindo sua passagem pela vida.
Acompanhar o caminhar da menina, ensiná-la e ler e escrever, incentivar seus primeiros passos na literatura, animar-se com suas notas na escola ... tudo era lindo. Mas, como ignorar os seios que cresciam, o corpo que se amoldava a uma nova exigência da vida?!
Aquela tia, dada a moderna, ansiosa por ser amiga. Aquela tia podia explicar prá menina.
Explicar qual a hora de enroscar seu corpo noutro, fazendo desse abraço um abraço de prazer. Não o prazer de conhecer Platão, mas o prazer de conhecer as sensações do próprio corpo, de conhecer o próprio corpo, de entender o endurecimento dos seios e da umidade na calcinha.
E, principalmente, de ignorar. Ignorar a vontade de encostar seu corpo noutro; de, displicentemente, resvalar seu seio na mão do outro; da boca inchando e chamando pela saliva do outro.
A tia só tinha que explica que prá tudo tem uma hora certa. A hora de balbuciar, a hora de rir, a hora de andar, o tempo de ler, e o tempo de ... se reprimir.
Bastava a tia lembrar de seu tempo. O tempo em que o coração amara, o corpo umedecera, e as palavras das tias de outrora secara. O longo tempo da espera ... que produziram imagens de contrações que só em sonho se realizaram.
Bastava a tia lembrar que os homens só querem as mulheres cujos corpos eles não conheceram. E contar, prá menina, que tudo o que ela tinha a fazer era manter as pernas fechadas para que, quando alguém as abrisse ... ficasse.
Bstava à tia prosseguir a história. Reproduzir, em palavras, a virgindade vestida de véu e grinalda, imaculada, e que acaba, sempre, por perdoar a "outra".
A tia entendeu. Entendeu que a hora era certa. Certa para quem foi aplaudida ao aprender a falar, ao aprender a andar, ao aprender a ler e escrever. A hora era a hora certa para explicar que os aplausos que acompanharam os primeiros passos, os primeiros sons, os primeiros sinais de independência, não acompanhariam os primeiros sinais de sexualidade. Era a hora certa do primeiro "não", era a hora certa da repressão.
Mas era a hora certa dela entender que a hora era a hora dela - daquela menina onde azuis se confundiram em olhos e lençóis. Era a hora de buscar o que o corpo dela exigia; de misturar roupas, lençóis, corpos, cama ...
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