Criança
A criança que fui, deixei-a aí a brincar.
Não a queria machucar. Parecia adivinhar
o roseiral de espinhos a me esperar.
Antes de partir, pedi-lhe a chorar
para nunca deixar de brincar com os
bichinhos que as nuvens no céu, formam
ao passar.
Antes de partir, pedi-lhe a chorar
para ir brincar à beira do rio, e
depois de muito vadiar, com os
peixinhos aprender a nadar.
Antes de partir pedi-lhe a chorar
para subir nos carvalhos, e jogar
landras nas minhas amigas, quando
alguma delas por ali passar.
Antes de partir pedi-lhe a chorar
para ir ao toural ouvir a banda tocar,
e por ali ficar a espiar as juras de amor,
que os namorados, insistem em trocar.
Antes de partir pedi-lhe a chorar
para nunca crescer, nem se apaixonar,
porque eu já sabia que as juras de amor
em lágrimas, um dia, se iriam transformar.
Antes de partir pedi-lhe a chorar
para nunca deixar de brincar com
as crianças que aí se iriam criar.
Antes de partir pedi-lhe a chorar
para lhes ensinar cantigas de roda,
canções de ninar, que os novos tempos
tendem a apagar.
E agora te peço, não mais a chorar,
para ires procurar uma outra criança
que também aí foi deixada a brincar
à beira da estrada.
Lita Moniz
|