Suscita-se-me hoje, porque li algures umas quantas estranhas revelações, escrever uma croniquetazinha, e prazasse que eu possuísse um só décimo do talento de Eça para dar a volta ao texto.
Ao cabo de 66 anos de vida, que foi permanentemente levada em ritmo trepidante - e ainda continuo persistente em aguentar quanto possível a pedalada - sequer tive tempo, constato agora, para invejar alguém ou até aperceber-me se algo em mim seria invejado. Corri, corri sempre em frente atrás dos sonhos que o meu ego foi divisando e a minha imaginação construindo, uns atrás dos outros. Tinha e tenho um lema característico: para sonho derrotado, outro sonho de imediato iniciado. Mais ainda: quando não chego à s uvas em bicos de pés, subo para uma cadeira, e se mesmo assim não alcanço, utilizo as costas da dita.
Há uns quatro-cinco anos a esta parte, porque naturalmente fui envelhecendo e a energia física correspondentemente diminuindo, o tempo tornou-se-me mais vago, a ponto de permitir-me muito melhor observação e aquilatamento sobre o que de facto se passa ao meu redor, vivência que nem vale a pena descrever, já que o provérbio da "camisa lavada", por tão óbvio, tem forte e objectiva fatalidade bíblica. Ouvio-o vezes sem conta, mas na prática, porque não lhe ligava importància alguma, não o sentia e tão pouco averiguava donde advinham muitos dos inoportunos obstáculos que se me levantavam estupidamente. Estupidamente?... Sim: a inveja, por ser tão estúpida, não se coíbe de revelar-se, logo que se acoita nas esconsas margens da estrada para cair em cima dos incautos que vão passando.
Bem... Com efeito, ocorrendo-me entrar no sujeito, em enunciada vertência, aqui na Usina, a que pretendo eu aludir? Também não vale a pena referir e descrever: o objectivo é óbvio.
Numa típica tasquinha da Lapa, que fica a três centenas de metros de minha residência e aonde muitas vezes vou petiscar, tem um letreiro enquadrado, logo por cima da caixa registadora, que diz assim: "Se tens inveja de mim, faz como eu faço". Quem não conhece?!...
António Torre da Guia
O Lusineiro
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