Carrapato do bem
Fernando Zocca
“Derrota extingue animosidade corintiana” (Manchete do Diário de Tupinambicas das Linhas no dia 3 de dezembro)
Pensando na inexistência das ventosas nos carrapatos-estrela, Van de Oliveira Grogue, naquela manhã ensolarada de quinta-feira, entrou no bar do Zezinho, onde suplementaria as taxas de álcool do sangue, no momento, já bastante rarefeitas.
Ao gesticular, ao proprietário da casa, comunicando seu desejo, Van notou na mesa ao lado, a presença de Wlamir Fizeconttei, funcionário da prefeitura de Tupinambicas das Linhas, que passara naquela ocasião no bom boteco, por sentir a goela quente.
- Quem é vivo, sempre aparece. – Festejou Grogue ao ver o colega. Então Fizeconttei respondeu:
- Disseram ontem ao Jarbas, no saguão da Prefeitura, que ele era louco. Sabe o que ele respondeu? Que era palmeirense e que não andava em bando.
Van soltou uma gargalhada sonora e sentou-se ao lado do amigo, naquela mesa do canto, perto da janela que estava fechada.
Então Fizeconttei continuou sua prosa:
- Você sabe muito bem que a campanha que elegeu o Jarbas, praticamente ela toda, contou com a atuação da seita maligna-do-pavão-louco, não é?
Van concordou respondendo:
- O tráfico de influência é comum aqui na cidade. Ninguém se preocupa com isso.
Então Fizeconttei prosseguiu:
- Você conhece o Cez, mais conhecido como “o vampiro de Tupinambicas das Linhas”, não é?
Van de Oliveira confirmou:
- É claro que conheço! Quem é que não conhece o baixinho? Dizem que ele inventa até nota de obituário publicada nos jornais. Dizem também que ele foi um dos que mais aplicaram dinheiro na campanha que elegeu o Jarbas.
- Pois é! – continuou Fizeconttei - A polícia descobriu um golpe que ele vinha aplicando na cidade. Você se lembra do Gabriel Carlos, que assassinou o Nelson, o pai da empregada doméstica que tinha se negado a manter relações sexuais com ele? Pois veja só o que o Cez fez: Quando faleceu, num terreno baldio, um indigente que não tinha nem documentos, Cez pegou os documentos do Gabriel Carlos e colocou neles fotos que mandara fazer do mendigo. Com aquela falsidade toda obteve um atestado de óbito do médico legista. Então, para a sociedade toda, o assassino Gabriel Carlos estava morto e seria enterrado com o seu crime. As vítimas se dariam por satisfeitas e ninguém mais falaria sobre o assunto.
Grogue pigarreou, acendeu um cigarro, aspirou com força a fumaça cinza, apanhou o copo da engasga-gato e bebeu um gole curto.
Então Fizeconttei prosseguiu:
- Acontece que por causa de uma briga entre o Cez e parte da seita maligna do pavão corintiano, digo, do pavão louco, alguém dedurou o esquema do tatupeba. Deu o maior fuzuê! Veio até a Polícia Federal na cidade. Fechou o tempo. Então quando o Cez ameaçou o alcagüete de morte, este revidou dizendo que contaria pra todo mundo que o pipi dele era de silicone. Meu amigo... Cez virou o bicho, teve o maior piti. Mas pra evitar mais comprometimento, resolveu dadivar os envolvidos reforçando assim sua influência. Logo em seguida o papa-defunto viajou para a Europa fazendo um cruzeiro marítimo bem demorado.
Nesse instante lá do rádio, postado na prateleira, fixada na parede, sobre a pia, onde Zezinho lavava os copos, ouviu-se a notícia, dita pelo locutor com voz cheia: “E atenção: a assessoria de imprensa da prefeitura de Tupinambicas das Linhas, por meio do seu titular Mirorio Cravo, acaba de anunciar que o prefeito Jarbas se afastará do cargo, no tempo exigido pela lei, para que possa concorrer à reeleição no próximo ano”.
Então Van Grogue, Wlamir Fizeconttei e Zezinho, tendo ao fundo o som do anúncio de uma pizzaria, entreolharam-se com aquela expressão que poderia ser traduzida por “Fazer o quê, não é?”
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