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Cronicas-->Ella -- 21/03/2005 - 03:51 (Andréa Paiva Rio) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Conta-se que o Pai virou para Mãe e perguntou:

- Você quer ir para o Hospital ou vamos para o Cinema?

Não se sabe se por falta de conhecimento ou se por puro pavor a esposa, que já sentia uma estranha água escorrer-lhe pelas pernas, respondeu:

- Para o cinema...

Assim, no caminho do Cinema mudaram o trajeto e ela chegou nesse mundo de noite.

Deram-lhe o nome de Ella.

A Tia Artista pensou: Ella será Artista. A Tia Normalista olhou-a e pensou: Ella será intelectual. A Avó disse: Ella não é um menino. O Avó sonhou: Ella é um anjo e conhecerá a beleza do Mundo. A Mãe imaginou; Ella será bonita. Ninguém sabe o que o Pai pensou de verdade... O resto da enorme família soou como toda grande família que acaba de receber um novo membro.

Dos seus primeiros tempos nessa Terra, enquanto ela aprendia coisas que todo mundo aprende nos seus primeiros tempos, Ella lembra apenas o que lhe contaram.

Seu primeiro banho foi frio, e era inverno. Seu primeiro sorriso foi imediato, seus olhos que nasceram azuis mudaram para castanhos cor-de-burro-quando-foge. Seu primeiro passo antecedeu em um dia a viagem para Itanhaém da Avó. Com um ano já sabia assobiar imitando o Avó que assobiava para ela dependurado na lateral do berço. O resto ela leu no "Diário do Bebê" no qual a Mãe anotava tudo a lápis e o Pai em bela caligrafia desenhava as palavras com a caneta tinteiro. Ele nunca completou todo trabalho. Foi Ella mesma que tentando imitar o capricho do Pai, talvez com medo de que o grafite fugisse, roubando-lhe sua história, passou o resto à tinta.
O Avó mostrou-lhe a música, o jardim, o trabalho de carpintaria, o jogar buraco, o gostar de histórias, o escutar do silêncio. Ensinou-lhe o mais lindo amor.

A Artista trouxe-lhe a primeira tela e tinta, Ella pintou casinhas coloridas em perspectiva. A Artista então declarou:

- Ella será Arquiteta. Olhem a perspectiva!

A Normalista trouxe-lhe lápis e caderno, ensinando-lhe o som das letras e como juntas formavam palavras. E quando ela aprendeu a soletrar toda cartilha divertia-se pedindo que lhe ditassem palavras e ela escreveu a mais difícil: A S C E N S O R I S T A - o coro de um suspiro só foi entremeado pela voz da orgulhosa professora:

- Ela escreveu certinho essa palavra difícil... - e o Avó logo foi ditando:

- Agora escreve INSCONSTITUCIONALISSIMAMENTE!

E todos riram acreditando-na uma futura literata.

A Avó lhe ensinou a subir na árvore para comer ameixas, a andar por cima do muro, a ser moleca. E quando Ella caiu do muro, ferida e ensanguentada, ainda escutou a grande bronca da Avó. Ella aprendeu a ter cuidado sobre si.

Um dia o Pai lhe perguntou qual cor ela queria para seu quarto, animada, Ella gritou com todos os ares do pequeno pulmão o nome de sua cor predileta:

- Rosa-choque, Papai!

"Imagine um quarto dessa cor!?" pensou o Pai, "Como lhe atender a tal pedido? Ele trouxe a lata de tinta para casa. Ela olhou a lata de tinta de cor branca e observando o pai nos preparativos lhe informou:

- Papai, isso não é Rosa-choque.

O pai lhe disse ter tido uma idéia maravilhosa e mostrou-lhe um tubinho declarando-o mágico:

- Olha só essa mágica!- E foi pingando gotinhas, mostrando-lhe a beleza da tinta vermelha espalhando-se no alvo líquido. Ella deliciava-se vendo que a cada mexida que o Pai dava com um pauzinho, mais próximo aquele branco sem graça chegava próximo de sua cor predileta e quando chegou e quando chegou a um rosa claro o Pai lhe informou que a tinta estava pronta. E o rosto deslumbrado dela foi mudando para uma mistura de descontentamento e dúvida:

- Tem mais mágica, Papai? Ainda não é rosa-choque...

- Calma, eu não disse que seria divertido? Agora vamos começar a preparar a surpresa.

- Oba, surpresa? Como é a surpresa, Papai?

- Primeiro você tem de me ajudar a pintar todas paredes e o teto com essa tinta, aí chega a hora da surpresa...

- Está bem, Papai. - Quanto mais próximo chegava ao fim do trabalho, com as premissas da expectativa, o rostinho de Ella se iluminava... Finalmente pronto o Pai lhe disse:

- Vamos precisar um pouco mais de mágica, mas dessa vez é uma mágica mais rápida. Com uma forte apertada no tubo um jato com grande quantidade de pigmento quase que imediatamente surgiu a cor que fazia os olhos dela brilharem tanto:

- Isso, Papai! Isso é Cor de rosa-choque! Disse ela sorrindo extasiada.

- Vamos para a surpresa, sente-se aqui, tire seus sapatos - E com um pincel o Pai pintou suas duas solas dos pés. Riram juntos das cócegas.

- Eis a parte divertida: Você vai passear pelas paredes.

Ella arregalou os olhos brilhantes incrédula:

- Vou???

- Vai. E vai andar pelo teto também!

- Outra mágica, Papai? Cadê o Peter Pan?? Onde tem pó de Pirilimpimpim?

- Eu vou te ajudar. - Pegando-a no colo estampou com o pé direito de Ella a primeira das várias marcas, Ella mau podia falar maravilhada com sua primeira pegada na parede. E entre as passadas que deixavam marcada para sempre o seu passeio pelas paredes e as risadas provocadas pelas cerdas do pincel, o Pai, talvez, sem saber, acabava de lhe ensinar a sonhar... Ella passeou da porta para o teto, do teto para a janela, e sua última pegada fugia daquele mundo fantástico que havia sido seu primeiro quarto de sonhar.

A Mãe tentava lhe ensinar a diferença entre o bonito e o feio: Colocava-lhe um vestido, combinava-o a calcinha, trançava-lhe os cabelos... Dizendo-lhe:

Como você está bonita! - Meia hora mais tarde, quando Ella já estava sem vestido, com alguma outra roupa mais cómoda, ou o que era mais comum, sem nenhuma roupa e sem nenhuma trança...

- Mas, ora, ora, cadê aquela menininha bonita? - Mas o sorriso traquina de Ella fazia a Mãe render-se pelo menos momentaneamente...

E Ella aprendeu a gostar de aprender e quando nada de novo lhes ensinavam, enchia-os de perguntas... Foi quando o Avó lhe mostrou os livros que estavam cheios de Histórias, cheios de descobrimentos esperando por Ella.

Ella tinha 4 anos quando a Mãe começou a ficar doente de uma doença estranha... Falavam-lhe sobre a chegada de alguém que ela não conhecia..."Que coisa mais estranha", pensava ela, "dizem que vem da barriga da Mamãe." Assim como ela havia aprendido a aprender, ela sabia que isso não bastava, era necessário compreender, e decididamente, aquilo ela não compreendia. Encafifada Ella foi buscar ajuda com a Menininha da Vizinha. Ella explicou:

- Me disseram que vai sair um Nenê da barriga da Mamãe e eu não entendi nadinha!

A Menininha da Vizinha, nem perdeu tempo para retrucar:

- É claro que você não entende, pudera, estão te contando uma grande lorota! Minha mãe me disse que os nenês vêem do repolho e se ela disse isso é do repolho que aparecem os nenês!

Diante de argumentos de tamanha veemência Ella sentiu-se por demasiado enganada e resoluta foi ao encontro da Mãe para pedir-lhe satisfações:

- Mamãe, por que você me contou uma mentira tão grande?

Sem nada entender a Mãe questionou-a:

- Que mentira?

- Que os nenês vêem da barriga, a Menininha da Vizinha falou que a mãe dela lhe contou toda a verdade, e que decididamente é do repolho que os nenês vêem.

A Mãe não sabia o que fazer, diante de tudo isso como se defender? Passado o primeiro instante a Mãe lembrou dos livros, e com ajuda deles lhe explicou tudinho.

E Ella aprendeu três coisas de uma vez só: De onde ela veio (e que ninguém sabe para onde ela vai); aprendeu que nem tudo é como parece óbvio ser e que os adultos falam coisas absurdas para confundir as crianças... Mas isso deve ser por que eles mesmos são confusos demais, pensou ela tentando compreender...

Hoje, Ella sou eu...

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