Noite de sábado, espera de ónibus. Um Guajará que não aparece depois das 21 horas, afinal é sábado, dia em que a frota de Porto Velho praticamente some.
Passa um Esperança da Comunidade, vão-se dois infelizes cansados que trabalharam no dia em que o esqueleto reclama lazer.
No velho ponto de cimento armado um homem zanza sem muita consistência, reclamando da vida, chorando.
Fala comigo. Normalmente não presto atenção a pedintes e bêbados, mas este tem uma história um pouco diferente. Chora por um amigo que morreu há quinze dias. Anderson, este era seu provável parceiro de noites e dias etílicos.
Alfredo não consegue assimilar a morte de Anderson. Anderson era seu melhor amigo. Morreu inchado, "deste tamanho". Não é possível.
Por isso está bebendo. Não consegue dormir. Bebe para acordar o sono. O sono não vem, mas as lágrimas retiram um pouco do pó do homem, que fala para as duas mulheres ao lado.
A vida não é justa. Roubou o amigo, talvez o último laço de dignidade que o álcool e a dura vida de semi-analfabeto ainda não tinham levado.
O que será da vida sem alguém que possa ouvi-lo, compartilhar risos? Restou um mundo onde as relações económicas sobrepujam outras, uma humanidade que de bom fornece apenas um pouco de cachaça.
Um ónibus do Nacional passa. É o veículo que pode leva-lo a lugar algum num final de noite, quem sabe para compartilhar a dor da perda.
Poderia se atirar debaixo daquilo, numa vida onde a sociedade não liga para sua morte. Terá ligado para o Anderson?
Entra na condução e segue seu destino, etilicamente equilibrado num banco de plástico, vivente de um mundo dividido entre pedaços de poliuretano e polietileno.
Emborrachado segue borracho.