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Contos-->Campeonato Paulista de Esgrima -- 15/01/2008 - 20:38 (hans dammann) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Campeonato Paulista de Esgrima


O torneio começou na mesa 8.
O competidor sentado à cabeceira pediu o paliteiro,
cobriu a boca com a mão esquerda e com a direita
iniciou o ataque.
O rosto se contraiu levemente quando a ponta do
palito atingiu a gengiva, entre o molar e o pré-molar.
Ali se alojara um restinho de bolonhesa, e depois de
mais uma estocada, seguida de mais uma careta, o
intruso foi retirado.
Uma sensação de alívio se estampou no rosto.

Logo foi a vez do comensal ao lado.
Por ali, as coisas estavam mais difíceis.
Ao contrário da carne moída, que devido à própria
consistência se solta facilmente, tínhamos neste caso dois
complicadores:
tratava-se de uma tirinha de picanha, que quando
enfrenta um espaço apertado costuma se entranhar
profundamente; além disso, nosso espadachim tinha o
molar inferior coberto por imensa coroa de ouro, e na
emenda do dente com o metal se desenvolvera um
implacável processo de infiltração.
Justamente ali, entre o molar avariado e o pré-molar,
estava o fiapo.

Casos como esse, que desafiam a habilidade de qualquer
duelista, mostram como a prática e a determinação
são fundamentais para o êxito da ação.
Com a mão esquerda em concha, escudando a operação,
a mão direita firmemente empurrou o palito sobre o
centro da picanha.
Não houve um desvio ou titubeio:
pontadas erradas podem fazer a gengiva sangrar, e neste
caso específico havia ainda o perigo de uma dolorosa
espetada na região infiltrada.
Uma vez acertado o meio da carne, a questão era lenta
(mas firmemente) empurrá-la para o outro lado do
dente.
O temor de atingir a área sensível fez o protagonista apertar
os olhos, isolar-se do mundo, rezar mentalmente, e
concentrar toda a energia na empreitada.

A sensação que se seguiu foi quase um orgasmo:
a carninha atravessou e espremido espaço inter-dental e
do outro lado a língua se encarregou de remetê-la
garganta abaixo.

O torneio teve seqüência na mesa 11, onde dois casais
terminaram de jantar ao mesmo tempo.
Disputas como essa, com quatro participantes, não são
muito usuais.
Mas dois dos contendores, na verdade as duas senhoras,
praticaram o que os maîtres observadores estão cansados
de ver e que costumam denominar de “geral”:
de cima para baixo o palito percorre rapidamente os
espaços entre os dentes da frente.
A operação toda não levou mais de 6 segundos e, como na
maioria das vezes, terminou com uma discreta passada de
língua para arremate final.

Um dos ocupantes da mesma mesa 11, o mais velho,
tinha pela frente um desafio bem maior:
a metade de uma cenoura crua, na verdade o enfeite de
um filé à Chateaubriand, se instalara sob uma prótese que
substituía três dentes.

Situações como essa muitas vezes recomendam uma ida ao
toalete, onde a questão se resolve de maneira reservada.
Há pessoas, por exemplo, que no isolamento do banheiro
trocam o palito pelo dedo, ou conforme o caso empregam
algum objeto pontiagudo como chave ou caneta, e sempre
contam depois com o abençoado auxílio da água abundante
para um providencial enxágüe.

Mas experiência, nesses caso, é tudo.
Meio gole de água com gás, um bochecho direcionado com
vigor e discrição, e a cenoura estava desalojada – dispensando-se
a sempre inoportuna visita ao banheiro.

O quarto personagem da mesa seguiu o figurino comum:
mão em concha diante da boca, discretas cutucadas
libertaram sem dificuldade alguns restinhos de lasanha
alojados aqui e ali.
Ao final, um desastre imperdoável (e menos raro do que
se pode imaginar):
qual um guerreiro que limpa a espada, a ponta do palito
foi várias vezes esfregada no guardanapo.

Episódios como o acima podem sugerir que estamos
descrevendo um ambiente grosseiro e desqualificado.
Puro engano.

Tanto é que na mesa 2, um homem tirou do bolso da
camisa um minúsculo estojo, e de dentro dele um
palito prateado.
Claro que é coisa que não se usa mais, é como chapéu
ou caneta-tinteiro.
Mas não se pode negar que prata é prata, sinaliza que
não estamos em uma cantina qualquer.

O palito foi manejado com elegância e destreza:
após um imperceptível arregaçar de mangas, foram
percorridos 21 dentes, 1 coroa, 4 jaquetas e uma ponte fixa
de 4 elementos - tudo em menos de um minuto.
Operação de quem sabe o que está fazendo:
foram soltos restinhos de linguado, purê e strudel, e um
discretíssimo enxágüe com vinho tinto devolveu ordem
e limpeza ao local.

O palito de prata também recebeu sua esfregada no
guardanapo, mas de maneira sutil e elegante, como cabe a
um verdadeiro cavalheiro.

O próximo lance aconteceu na mesa 9.
Dois amigos vieram do bar para as mesas, e trouxeram nos
dentes os amendoins do aperitivo.
Um deles, sem perceber, trouxe casquinhas de amendoim nos
dentes da frente, mais precisamente no encontro do canino com o
incisivo central, o que lhe dava ares de caipira banguela a cada
sorriso.

No outro amigo o amendoim incrustou-se entre um molar e
siso.
Tipo da região difícil de acessar, pois o palito, sendo reto, não
alcança atrás do molar.

Nesse caso as alternativas são só duas:
fio dental ou banheiro.
Como o fio não estava disponível, valeu pedir licença e chegar
no toalete.
O dedo não resolveu, o bochecho não resolveu, o que resolveu
foi um cartão de visitas:
devidamente enrolado, graças à sua relativa flexibilidade
foi possível enfiá-lo entre siso e molar e libertar o grãozinho.

Na mesa 4 começava, neste momento, a mais renhida das
batalhas:
palito versus fiapo de manga.

Encravado entre um cúspide e um incisivo lateral de uma
senhora muito elegante e bem vestida estava a fruta, tão
enfiada e presa que fazia pressão para separar os dentes.
Era incômodo, e chegava a doer um pouco.

Está aí uma situação difícil, pois é mais provável que o
palito provoque um sangramento do que desaloje a manga.

Após três tentativas, a senhora não teve dúvidas:
polegar de um lado, indicador do outro e guardanapo no
meio, esqueceu qualquer bom-tom e arrancou o fiapo da
fenda.

Pode ter baixado consideravelmente o nível do
campeonato.

Mas manga é manga.





Hans Dammann





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