(Este solilóquio, de autoria de Shakespeare, foi descoberto pelo jornalista e político Carlos Lacerda - meu primo afastado; aliás, quanto mais afastado, melhor! - por ocasião da brilhante tradução que fez, em l956, da peça “Júlio César”.)
Portia, my Portia,
Derrotado, afinal, pelo aço implacável, frio,
Com a ajuda dele e do amigo caloroso
Apresso-me, feliz em reencontrar-te.
A ti, que também te foste,
Mas sem ter sido levada.
Nesta hora, óbvios se tornam meus pecados.
Não percebi, primeiro, que o mundo é falho.
E, assim também, a minha preciosa filosofia.
Perdi-me, menos por nela acreditar,
Mais por esquecer que as pessoas são
Antes, volúveis, viscerais, que razoáveis.
Desnorteado, sei que causei a ti e a muitos outros
Dissabores sem fim.
Humilde, imploro agora o teu perdão.
Perdão pela minha soberba sem limites.
Corajoso – sim, ambicionei sê-lo –,
Mas, de fato, em parte falhei no meu nobre intento.
Vejo-me, porém, incapaz de suportar agora
Dos mártires a morte física, lenta, sem esperança.
E, também, o suplício moral
De ser exibido pelas ruas de Roma
Qual reles mortal – sem apego aos livros!
Qual presa vulgar de uma audaz intentona,
Que desastrada se fez, por culpa só minha;
Além de malévola ser, por idéia de outros.
Por isso, decidi, como tu o fizeste por distintas razões,
Antecipar o meu futuro.
Pois só os santos, retos que são,
Conseguem sobreviver à tortura moral.
Esta, uma cruel invenção do Demônio.
Confesso, ademais, que pequei contra ti.
Que não fui tão gentil quanto mereceste:
Severo, rígido, incapaz de perceber a tua fragilidade,
Disfarçada pela tua extrema dedicação.
Portia, anjo amigo, minha deusa,
Para ti já me vou!
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