A mulher do amigo dele
Fernando Zocca
Van de Oliveira Grogue estava amando, com loucura, a mulher de um amigo dele.
França, como era conhecido o colega de todas as horas, das festas, dos longos passeios de carro nas noites quentes, e reuniões divertidas, trabalhava na Companhia Tupinambiquence de Força e Luz (CTFL), e nunca imaginaria que o aprazível Van, cortejaria sua esplendorosa Lúcia.
Quando França desconfiaria que suas saídas matinais diárias, rumo ao salão onde trabalhava, facilitariam os encontros amorosos adúlteros de Lúcia e Van?
Mas era o que realmente acontecia. Logo cedo, depois que França aquecia o motor do seu carro velho, já um tanto quanto que desbotado, pelo maltratar do tempo, Lúcia sentia, nas entranhas, a excitação, que a probalidade do surgimento do Grogue lhe causava.
Mal raiava o dia, e após o predomínio do silêncio, originado pelo afastamento do carro antigo do França, surgia assim, como que saído da espreita, o velho Van de Oliveira, buscando a saciação do afeto contido.
Naquele alvorecer de terça-feira, nove de Novembro, Van aproximou-se, desligando o motor do carro, cem metros antes da casa do França. Deixou o automóvel deslizar em relativo silêncio até a pouca distância do portão da amada.
Ele desceu, fechou com cuidado a porta, não acionou o alarme, e caminhou pé-ante-pé em direção da sua alegria, do seu equilíbrio.
A contusão no artelho direito, causada por um bicudo desesperado, dentro da sua grande área, durante a pelada na terça-feira anterior, fazia-o claudicar.
Seguindo instruções de Lúcia, França não passava a chave no portão, sob a alegação de que facilitaria a saída dela para a compra diária do leite da Luiza.
Então, com o coração aos galopes, a respiração contida, Van afastou, com delicadeza extrema, aquele obstáculo que o separava do seu amor proibido.
Fazia tudo lentamente: o abrir o portão, o caminhar no corredor, o tocar na porta semi-aberta da casa, tudo era realizado objetivando não despertar os cães ladradores, a vizinhança abespinhadiça, estorvo inibitório.
Mas naquela manhã, Luíza a filha de Lúcia, nascida de outro relacionamento, chorava emburrada, sobre a máquina de costura.
A menina não atendia aos reclamos da mâe, que lhe pedia para não estragar, com aqueles chutes e palmadas, a Singer vetusta do pai, por ser ela de estimação, lembrança do tempo em que ele fora alfaiate.
A criança chorava, esperneava, demonstrando insubmissão impertinente. Mas Lúcia, contornando a situação, fez com que a menina se acalmasse, vendo logo em seguida, que ela caiu no sono profundo.
Grogue ouvia tudo do lado de fora. Quando sentiu a turbulência, dentro da casa, achou que a ocasião divergia das demais anteriores, caracterizadas pela atmosfera amena.
A menina não poderia vê-lo pois poderia, conversando com o pai, relatar a presença dele, amigão, naquela hora intempestiva do dia.
Quando percebeu que o silêncio predominou, sucedendo a agitação, Grogue tocou de leve a porta, anunciando-se.
Lúcia que já o esperava, apressou-se em escancarar a porta, abraçando-o logo que ele entrou. Ali mesmo na sala, amaram-se com loucura, sôfregos, tensos, tomados pela possibilidade, remota, mas possível, do surgimento repentino do França.
Quando Grogue, depois de vestir com pressa a calça, calçar os sapatos, saia rumo ao corredor ouviu Lúcia pedindo-lhe:
- Van, faz uma música pra mim, pro nosso amor?
Respondendo afirmativamente, com palavras vagas, aquele pedido esquisito, Grogue ao fechar o portão da rua, procurava a resposta para a pegunta latejante que não queria calar: "Quem foi que lhe disse ser eu compositor?"
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