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Contos-->Galos e grilos -- 21/02/2008 - 17:32 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Galos e grilos

Fernando Zocca


O doutor Silly Kone, médico psiquiatra estabelecido em Tupinambicas das Linhas, desde o tempo em que Delfin Netto era ministro da economia dos governos de exceção, ao passar pela sala de espera do consultório, naquela tarde de segunda-feira, notou que havia ali um homem embriagado, sentado no sofá, folheando uma revista.
Ele aparentava obesidade e a calva proeminente lucilava; seus óculos tinham lentes grossas, verdes, sustentadas por aros pretos, compactos.
O ritmo respiratório lento, mas profundo, fazia a passagem do ar pelas narinas emitir um sibilo contrastante com o quase silêncio do entorno.
O abaulado, naquele ventre, indicava desequilíbrio na contablidade corpórea. Ele mais acumulava do que despendia.
Kiube a secretária encarquilhada, cujas manchas escuras espalhadas pelo rosto, destacavam-na das demais funcionárias da clínica, falava ao telefone:
- Osni? Como assim.... Ah sei... mas como não identificado? hãhã... sexual? Ah... Não identificado? Nossa!
O homem, na sala ao lado, não podia deixar de ouvir o que a mulher dizia. Tocado pelo som sibilado da secretária, ele apertava-se no sofá, virando com força as folhas da revista.
O consulente súbito, levantou-se do móvel e, caminhando até a frente da mesa donde falava kiube, parou iniciando uma arenga, logo também suspensa. Ao ser olhado pela velhota atônita, o balofo avermelhou-se. Sem jeito, voltou então para o assento de onde viera.
Nesse momento, uma sineta soou lá dentro do compartimento, lugar em que instalara-se o doutor, depois de passar rápido pela saleta de espera.
Kiube desligou o telefone, levantou-se e caminhando desenvolta parou diante do paciente perguntando:
- Vamos lá, seu Amaral?
Sem responder nada, Amaral pôs-se de pé. Kiube conduziu-o então, com delicadeza, à presença do psiquiatra.
Naquele dia o médico não estava bem disposto. A feijoada do almoço, ainda compactada no estômago, oferecia resistência à diluição, acarretando uma certa congestão local.
Amaral bem temeroso, e já iserido no espaço do consultor, atendento a um gesto deste, sentou-se na cadeira jazida defronte a mesa. Mal se acomodou disse:
- Sabe seu doutor, eu acho que sou gay. Acho não, tenho certeza. Mas é uma veadice diferente, entende? Suspeito que o meu lado boiola seja sapatão.
- Hum... - Fez o doutor, segurando o queixo com a mão esquerda.
No momento em que o consulente julgava ter uma oportunidade para dizer algo, que há muito vinha ensaiando, foi interrompido pelo telefone. O doutor Silly atendeu:
- Sim? Hã? Sei...Bem, a dose recomendada é um comprimido de viagra pelo menos uma hora antes do contato... Efeito colateral? Pode haver uma vermelhidão no rosto. Mas se isso acontecer, suspende logo o comprimido... O senhor pode agendar com a secretária. Eu transfiro para ela. Até logo.
Ao desligar o telefone Kone fez um sinal para que o paciente continuasse falando. Então Amaral, o hipocondríaco disse:
- Minha mulher reclama que eu dou muito trabalho. Que ao invés disso eu deveria trabalhar. Mas não sei fazer nada. De vez em quando pinto uns quadros com guache, mas ninguém aprecia. Quando estou assim, meio sorumbárico, gosto de tocar música sertaneja no meu teclado novo que a lindinha me deu. Sabe... o banco aumentou o salário dela, e ela me deu um teclado zero bala.
O telefone interrompeu novamente:
- Pois não... - Silly Kone recostara-se de tal forma na cadeira giratória que pôde descançar os pés sobre a mesa. Então ele continuou:
- E os exercícios físicos, seu Manoel? O Senhor tem seguido minhas instruções? Como assim? Faz no banheiro! E olha: pára já com o cigarro! Gordura e açúcar? Nem pensar!
Amaral que aguardava com impaciência o final do bate-papo, procurou no bolso da camisa o seu maço de cigarros. Mas ao tentar acender o que colocara na boca, lembrou-se que deixara o isqueiro no carro.
Quando Kone desligou o telefone, Kiube bateu na porta interrompendo, mais uma vez, a consulta. A secretária entreabriu a porta tosca botando a cabeça dentro da sala dizendo:
- O moço do cartório veio buscar a escritura da casa, onde você guardou?
- Depois eu atendo. Pede pra esperar.
Após ter a secretária fechado a porta, pôde então Kone terminar a consulta:
- Muito bem, seu Amaral. O senhor precisa mesmo parar com a bebida. Assim não dá. Olha, toma esse remedinho aqui, conforme a receita, mas se não reduzir a pinga, não tem jeito. Falou?
Amaral, muito sem graça, pegou o papel com os escritos garranchosos, despediu-se do doutor Silly Kone e depois de passar pela secretária, a quem dirigiu um sorriso amarelo, saiu fechando atras de si, o portão da rua. Ao entrar no carro não pôde reprimir a enorme sensação de inutilidade daquele ato consultivo.
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