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Artigos-->Gula -- 23/11/2002 - 17:27 (Rosália Pirolli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A velha senhora morava numa casa grande e bonita, numa rua cheia de árvores e flores, num bairro de pessoas ricas que ficava nos subúrbios da grande cidade. A velha possuía uma alma nobre e se doava nas ações de caridade a favor dos pobres, dos doentes e das crianças. Ela era conhecida como a Grande Benfeitora da bairro. Ela recolhia as criancinhas na rua e depois as entregava à adoção para famílias abastadas e felizes. Eram poucas as crianças que perambulavam pelas ruas agora, pois a grande senhora as dava um lar e uma oportunidade de vida.

Ela jamais teve filhos, e sabia-se apenas que fora casada uma única vez, há muitos anos atrás. Seu marido era um combatente alemão que batalhara na Segunda guerra mundial. Era um homem valoroso e honrado apesar da posição que tomara na guerra. Mas ele morreu de tuberculose ainda muito jovem, deixando a senhora sozinha. Ela não tinha mais família. Sua mãe havia morrido dois anos antes. Ninguém jamais encontrara o corpo de seu pai e seus irmãos, que morreram num acidente de automóvel. Caíram num rio e o automóvel explodiu, ficando perdido para sempre os restos mortais de seus parentes.

Apesar de sua vida exibir tantas tragédias ela era uma mulher ainda muito vivaz e enérgica. Sua aparência era de máximo cinqüenta anos. Ninguém diria que ela quase beirava os oitenta. Sua jovialidade ela agradecia ao seu Deus, quando ia rezar na igreja do bairro. Era uma alma caridosa por isso viveria muito.

As únicas companhias constantes em sua casa eram os seus cachorros, grandes e negros pastores alemães. Eram dóceis e extremamente amigáveis, e lambiam as pernas das visitas que a velha senhora recebia. Eles jamais morderam ninguém que entrou naquela casa.

A casa da senhora vivia cheia de pessoas, num entra e sai constante, graças a sua ação em favor dos órfãos. E ela tinha uma grande fama, pois sempre encontrava uma boa família para as crianças sem lar. Em quase todos os casos as famílias que adotavam os órfãos eram de outros estados ou até mesmo de outros países. Mas todos viveriam vidas de conforto, mesmo que distantes de sua benfeitora.

A boa senhora era vegetariana. Ia sempre a feira e comprava sacolas cheias de verduras e frutas, muitas frutas. Até os seus cachorros eram vegetarianos, apesar dos nomes que tinham, Carnivore e Cannibal. A velha senhora vivia contando que não trocava o nome dos cachorros pois foi o seu falecido marido que havia batizado os cães desta maneira. Mas ninguém se importava, com uma senhora tão boa e cachorros tão amigáveis quem se importaria para os nomes dos cães?

Uma vez, quando era véspera do feriado de Ação de Graças, a velha senhora foi à feira e decidiu que iria fazer um grande banquete em sua casa, para toda a comunidade. Ela comprou nozes, frutas frescas e tempero para assar a carne. Deixaria para comprar o peru mais tarde.

Em sua casa, nesta época, estavam quatro criancinhas pequenas, uma delas ainda era um bebê, gorducho e rosado, que havia sido abandonado pelos pais na porta da casa da mulher. Duas das crianças eram gêmeas, duas meninas, bonitas mas bastante magrinhas, pois moraram na rua desde muito pequenas e conviveram com a escassez de comida durante a tenra idade. A outra criança era um garoto gorducho, de sardas e cabelos vermelhos que havia fugido da casa dos pais e que a velha estava abrigando. Sua casa era imensamente grande, no andar superior haviam quartos e mais quartos com beliches e banheiros particulares, como um orfanato ou uma pensão. Ela poderia abrigar mais de quinze pessoas de uma única vez e confortavelmente. O andar térreo era onde ficava a cozinha, que era bem equipada com um imenso forno onde a velha assava pão, e uma grande geladeira onde ela conservava a comida dos banquetes que preparava. Tinha também uma sala, grande e com sofás e almofadas e um escritório, que vivia de portas abertas para todos que quisessem fazer uma adoção.

Aquele dia ela arranjou um casal para adotar o bebê, e o garoto gorducho e fujão decidiu voltar para casa. Eram dois a menos para preocupa-la.

Quando se aproximava do meio dia um delicioso cheiro de assado invadiu a casa inteira. Os vizinhos farejavam aquele aroma e suas bocas se enchiam de água à espera do banquete da boa senhora. A carne ficou assando durante a noite toda, em forno baixo para que ficasse mais macia e suculenta. No outro formo, um assado menor, e mais tenro estava pronto. Os dois cachorros começaram a latir e a arranhar a porta dos fundos. A boa velha pegou uma vasilha de ossos e jogou para os cães, que latiram de felicidade com a comida.

No dia de Ação de Graças, logo de manhã muitas pessoas chegavam à casa da velha e a ajudavam com a arrumação para o banquete. Foi posta uma mesa imensamente comprida no jardim, onde todos poderiam se acomodar e deliciar os pratos carinhosamente preparados. Muitas flore amarelas e brancas enfeitaram a mesa e até as árvores. Várias bexigas brancas foram cheias e colocadas na beirada do telhado. Era uma grande confraternização naquele bairro. A boa velha seria homenageada durante o banquete, mas era uma surpresa. Quando se aproximava do meio dia, os pratos foram dispostos na mesa e as pessoas foram se acomodando na mesa. O lugar na cabeceira foi reservado para a senhora, que surgia na porta com uma travessa de assado nas mãos. Um homem forte a acompanhava e trazia a travessa maior, onde parecia ser um carneiro assado. A carne era mais vermelha e parecia mais suculenta do que carneiro.

A velha pôs os assados na mesa e fez um emocionado discurso e pôr fim pediu que os convidados se servissem. As pessoas provaram a carne e a todo instante perguntavam a velha senhora que deliciosa carne era aquela, mas ela guardava segredo. O assado menor era mais tenro e macio, mas o assado grande tinha um sabor exótico. Ninguém soube dizer que carne era, mas todos se deliciaram. Não sobrou um único pedaço dos assados ou das outras comidas que estavam na mesa.

Então a tarde passou e logo após a homenagem a velha, todos ajudara a arrumar o seu jardim e um a um, após despedirem-se foram embora elogiando o banquete e principalmente a carne. Quando anoiteceu e a velha viu-se sozinha, trancou todas as portas e janelas e foi para o seu escritório. Sentou-se numa poltrona durante alguns segundos mas logo levantou. Havia uma porta camuflada por uma estante. Ela abriu silenciosamente a porta e desceu umas escadarias de pedra, que iam ficando úmidas quanto mais descia-se. Alguns degraus mais abaixo havia um grande salão, poderia ser um porão, mas era de pedra rígida e resistente. Era impossível escutar qualquer ruído de fora pois as pedras não deixavam o som passar para o salão.

Naquele lugar tenebroso haviam diversas saletas e algumas gaiolas penduradas no teto. As tais salas mais pareciam cela, pois tinham somente uma pequena janela com grades. Ela olhou para dentro de uma das saletas e havia algum ser encolhido no canto mais escuro da saleta. Ela ordenou que a criatura viesse até a luz, e ela pediu para apalpar o dedo da criatura. Era uma criança, gorducha e baixinha que estava ali naquele lugar. Ela abriu a cela e pegou o menino pelo pescoço. O garotinho começou a choramingar a outras vozes, de outras celas começaram a chorar, desconsoladas. A velha levou o garotinho até uma outra sala, na outra extremidade daquele salão de pedra. Abriu a porta e os azulejos brancos brilharam com a pouca luz. No centro daquela sala imaculadamente branca havia uma mesa e uma imensa faca, de açougueiro. Havia uma estante abarrotada de facas, e aparelhos de moer carne e de limpar a gordura das crianças.

Ela pôs o pescoço do garoto naquela mesa e com um golpe preciso e certeiro o menino morreu. Sua cabeça rolou para o chão, e a velha pegou pelos cabelos e olhando os olhos arregalados. Com toda a sua frieza ela pensou:

- Amanhã teremos miolos no almoço.

Então a velha ouviu latidos e surgiram na porta da sala os cachorros Carnivore e Cannibal, que estavam com suas feições amáveis profundamente alteradas. Seus caninos estavam salientes e espumavam pela boca. Os olhos estavam vermelhos como se estivessem possuídos. A velha então prendeu os cachorros pela coleira na porta e foi até as saletas novamente. Dessa vez trouxe as gêmeas, que estavam bem gordinhas e um menina, loirinha, de faces rosadas. A velha pôs vendas nos olhos das garotinhas, e soltou-as no salão. Então voltou para a sala branca e soltou os cachorros, fechou a porta e continuou a limpar a carne do pobre garoto. Muitos gritos dolorosos vinham do salão de pedra e a velha sabia que os seus cachorros estavam se alimentando direito.

Então, ela pegou a carne que havia cortado em postas finas, e abriu uma nova porta, só que de alumínio, do lado oposto da sala branca. Era um imenso frigorífico. Ela colocou a carne do garoto numa gaveta e rotulou como carne de segunda. Então viu em outra gaveta, e não resistiu a uma coxa que viu.

Abriu a porta do salão, e viu os seus queridos cãozinhos se alimentando. Uma das meninas estava completamente dilacerada e as outras duas haviam perdido somente os membros, mas tentavam fugir desesperada da fome das feras.

A velha subiu as escadas e foi para a cozinha, onde fritou a coxinha e pôs-se a deliciar-se. Ela ouviu uma batida na porta e era o padre da igreja. O homem viu a boa velha vegetariana comendo uma coxa e censurou:

-Já está se entregando a Gula, minha boa senhora

Ela apenas sorriu com um certo cinismo e engoliu a carne de uma única vez. Olhou para o padre com olhos maliciosos e famintos. Jamais havia comido um padre. Deu-lhe um copo de água e o homem desmaiou. A velha maníaca levou o homem para o seu quarto e ouviram-se mais gritos silenciosos durante a noite.

No dia seguinte, havia um novo banquete, sagrado, para toda a comunidade...



28 de Janeiro de 2001





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