Usina de Letras
Usina de Letras
15 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50671)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Ó Lima! Ó Lobato! -- 14/04/2008 - 18:54 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Lima Barreto teve em Monteiro Lobato um dos poucos apoiadores de sua carreira de escritor. Em 1922, após muitos desencontros, Lima, a caminho de Mirassol para tratamentos médicos, finalmente conhece Lobato, na cidade de São Paulo. Não há registros exatos sobre o curto encontro dos dois, mas nada impede que nossa imaginação reinvente aquele momento.
- Ó Lobato!
- Ó Lima! Sou agora mais crente no mundo por te encontrar em vida finalmente. Estava quase certo de que de ti só veria os êxitos editoriais, meu caro. Estou mesmo feliz que aqui estejas, Lima.
- A felicidade também é minha, estejas certo, amigo. Por um pouco que não seguimos direto para Mirassol.
- Mas ficas por aqui hoje, não é?
- Infelizmente não. Seguiremos já. Sabes que sou muito grato a ti e ao Dr. Prata. Grato. Embora tenha mesmo me esforçado para livrar-me desse mal, não creio que seja merecedor de tantas atenções...
- Ora, Lima. Deixe de sandices. Sou igual a ti em muito. Cuido de ti como cuidaria de mim mesmo. Sabias que estive no rio a tua procura?
- É fato? Quando foi isso?
- Meses atrás. Fui onde havia possibilidade de encontrar-te! Estive em freges, botequins e até em casas de garapa...
- Lugares do passado, meu caro.
- ...depois de espiar embaixo de algumas mesas e nada de Lima, fui-me. Mas me disseram mesmo que tu és ubíquo, difícil de agarrar, que tens endereço apenas para constar.
- Conversas apenas. Prova disso é que cá estou.
- Afonso Henriques de Lima Barreto...
- Eia! Nem eu me lembrava mais desse nome todo, senhor José Bento Monteiro Lobato.
- Ao menos temos nossos nomes...
- Quanto ao meu, não tem se apresentado muito útil nesta vida, confesso.
- Que importa isso? João, José, Afonso? Quem põe valor em nomes é a academia dos imortais.
- Ai, ai. Desses eu já desisti. E tu? Quando terás tua cadeira?
- Estou como estás. É o que é, amigo. Eles devem ser menos imortais e mais afeitos ao cabo da enxó. Retirei a candidatura com gosto. Não tenho natureza para mendigar votos.
- Soube. Estás certo.
- A eles bastam os Joões do Rio. Em breve, quem mais vestirá o jaquetão? Sabe-se lá. E teu pai? Melhoras?
- Meu pai. Meu grande e infeliz pai...Meu pai continua o que é, Lobato. Melhora hoje, piora amanhã.
- E não somos todos assim, meu caro? De qualquer modo, tu és um forte como poucos que conheci. Não mereces penar como tens penado. Não, não. Mirassol vai cair-te muito bem
- Estou certo disso e quase otimista também.
- Pois deves ficar animado. Há pulhas aos tantos no Rio para denunciares. Tua pena e tuas palavras são necessárias. Muito.
- Que há personagens esperando por tinta, há. Mas é como gritar com surdos, amigo. O Rio cultiva uma inteligência que pede ao autor apenas posição social. Quando um Austregésilo escreve, todos lêem. Quando ele fala, lá estão os jornais. Seja sobre o que for: alhos ou bugalhos. Se um mulato boca-dura atreve-se a falar, ah, não se acha um ouvido em toda a orla.
- Achas que é só em tua terra que a carne encrua e o caldo entorna? São Paulo é a pátria do modismo. Depois que os futuristas botaram seus borrões e seus despautérios por aqui, os jornais só querem essa paranóia... Esta é a última. Esse tal de Hélios pregando o futurismo e convocando o povo para três dias de aberrações. A culpa é muito minha, sabes? Fui dar atenção para aquela dita e bendita exposição de quadros da Malfatti. A turba se ofendeu...
- O que for de valor ficará, amigo. A história nos ensina, não é mesmo?
- Estás certo, Lima.
- No mais, é melhor uma multidão de Futuristas que um só Bilac a policiar a forma e a gramática alheias. Esse era uma maçada que só.
- Já é costume, já é mesmo tradição: o Brasil é o país do contrário, Lima. Por aqui o torto é visto reto e o reto é tomado por oblíquo. O país dos contrários...Eis uma boa coisa para botar num livro... Não achas? E o que vem lá, Lima? No que trabalhas? Sabes que a Monteiro Lobato e Cia. precisa de mais títulos teus?
- Apenas tu mesmo, Lobato! O M.J. só teve valor aos teus olhos. O Isaías Caminha então...
- Tu sabes muito bem como isso funciona, Lima. Já descreveste muito bem esses burocratas. Aliás, o melhor que faríamos seria levar os Bruzundangas para a prensa? Que achas?
- Talvez seja uma boa idéia, amigo. Difícil de decidir por agora. Sinto-me muito cansado. Minhas pernas estão fracas. É aquilo que te escrevi: sinto como se precisasse mesmo de um choque da vida para me tirar disso tudo.
- Sem choques, amigo. Mirassol é a energia da qual precisar agora. Sei que farás um pronunciamento em Rio Preto.
- E essa? Farei de tudo é para escapar...
- Acho que deves falar! Isto será o teu choque. Preparaste algo?
- Tenho esse artigo que escrevi para a Souza Cruz. Acho que usarei isto mesmo.
- Dá-me a honra de ouvi-lo.
- Aqui?
- Agora. Por que não?
- São idéias que tu já conheces. Vejamos... Caros senhores: A literatura se apresenta com um verdadeiro poder de contágio que a faz facilmente passar de simples capricho individual para traço de união, em força de ligação entre os homens... ...Ahnnn, a literatura reforça o nosso natural sentimento de solidariedade com os nossos semelhan...
- Senhor Lobato, o acompanhante do Sr. Barreto está esperando lá fora.
- Que ele entre, oras?
- Ele não quis, senhor. Parece apressado.
- Eu te disse, Lobato. Estamos com o horário muito justo e a jornada ainda é longa.
- É mesmo uma pena, meu caro Lima. Só não fico mais amuado por saber que esse foi apenas um primeiro de muitos colóquios nossos.
- Estou certo disso, amigo. Em Mirassol, perderei muitas horas escrevendo-te sobre tudo e todos.
- Esperarei. E fique tranqüilo: sua palestra já é um sucesso. E pense sobre o nosso próximo lançamento editorial.
- Sabes, Lobato, eu posso estar prensado, e sinto-me mesmo assim. Mas estou longe de estar acabado.
- Você não se acabará nunca, Lima. Nunca.
Lima Barreto passou uma temporada em Mirassol. Nunca fez seu pronunciamento em São José do Rio Preto. Morreu alguns meses depois do encontro com Lobato, em novembro de 1922, nove meses depois da Semana de Arte e 48 horas antes do falecimento de seu pai.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui