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Contos-->O funileiro louco -- 02/05/2008 - 11:21 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O funileiro louco

Fernando Zocca

“O funileiro louco da Vila Dependência só atira pedras contra seus vizinhos. E mesmo assim, por ser ‘fora do cabo’, nunca acerta nenhuma em ninguém” (Van Grogue, parado na esquina, como se esperasse alguém)

Confundir INSS com Inês seria um absurdo terrível, mas não impossível. A velhota seca, árida, mal humorada, mãe da Luísa Fernanda, sogra do Alcindo Briquetier e parente distante da Gabriela Charretier, não bebia igual ao Van Grogue, mas também confundia tudo, misturando as coisas.
A anciã antiga e seca, por ser corintiana, não demonstrava simpatia por palmeirenses, considerando correta a censura contra aqueles que entravam, durante toda a vida, só duas ou três vezes numa igreja, mesmo assim carregados.
Inês Chalant afirmava haver incréus que apareciam pela primeira ocasião num templo quando, no colo de alguém, receberia o batismo; na segunda, quando buscavam-no para o casamento e, na terceira, surgia num caixão, para a missa de corpo presente.
O tempo passava célere; Chalant percebia que seu corpo secava, suas rugas recrudesciam, e as pelancas exacerbavam. Sua vizinha, uma velha senhora já entrada na oitava década de vida, dissera-lhe, numa ocasião, que ela precisava reidratar-se, evitando assim os efeitos maléficos da senectude. Mas, teimosa, Inês respondera:
- Imagine que vou ficar bebendo água desse jeito! isso me destempera. Não tem cabimento.
- Mas Inês, veja como você está ficando! Você esta parecendo um maracujá de gaveta. Olha só isso! - insistia a amiga de longa data, que fora proprietária do bar mais famoso de Tupinambicas das Linhas.- Olha essa pelanca do seu braço, atrás do muque. Arriou tudo, minha filha. E agora? - continuou a vizinha querida.
Inês já não agüentava mais tanta chateação. Seu desgosto era notado inclusive durante os ensaios que fazia, no fundo do quintal, quando tentava aprender a dedilhar um teclado.
Dona Custódia até percebera que Inês Chalant sofrera um quebrantamento. Disse-lhe isso, defronte o portão da rua, numa tarde, quando viu que a colega, que mantinha os cabelos curtos, despreocupava-se agora em mantê-los penteados e alinhados de forma perfeita, minuciosa, do jeito que sempre fizera.
- Está acontecendo alguma coisa com você, Inês querida? Que cara horrível. Você não foi atingida por alguma pedra ou tijolo, não é? - perguntou Custódia.
Chalant gostava de falar baixo, murmurar. Seu prazer mesmo era o de dirigir impropérios, à distância contra Alcindo Briquetier, o carroceiro que por estar embriagado, numa ocasião, jogara um tijolo na vidraça dela.
- Não estou me sentindo bem, Custódia! Não consigo mais acertar a mão na execução das músicas que ensaio tanto. No justo momento em que vou começar, logo me atrapalho toda. Será que é olho gordo? - Inês estava mesmo muito nervosa. Parecia que nada poderia acalmá-la.
- E o seu marido, Inês? Ele não comparece mais? É daqueles que, aos domingos, diz que vai comprar cigarros na padaria, e só volta tarde da noite, completamente bêbado e recendendo perfume barato?
Inês Chalant não queria confirmar com palavras, mas seu silêncio garantiu que o marido já não dispunha daquele vigor vicejante, dos primeiros anos da união. Então Inês, esfregando as mãos grandes e grossas, com seus dedos nodosos, disse chorosa:
- Acho que estou ficando gagá, amiga!
Custódia querendo consolar a vizinha buscou um tom amistoso, lá no fundo do seu coração e disse:
- Não fica assim, bebê! Olha como essa vizinhança toda te adora! Dê-se por satisfeita querida: aqui os cães não latem o dia todo, nem parte da noite. Os funileiros loucos, quando jogam pedras, não acertam ninguém. Os bêbados e maconheiros, só se preocupam com suas pingas e baseados que consomem. Não sei porque tanta depressão, Inês querida!
- Acho que vou procurar o doutor Silly Kone. Dizem que ele é um excelente psiquiatra.- respondeu Inês chorosa.
- Isso bem, vai sim. Você vai ficar livre desse mau humor, dessa distimia, dessa cabeça fraca. Eu garanto. - As palavras de Custódia eram ditas com muito carinho.
A conversa com a colega aliviara o coração apertado da pobre Chalant. Ela sabia que apesar de tomar os remédios antidepressivos que o doutor Silly Kone lhe prescreveria, uma coisa seria certa: ninguém deteria o passar do tempo. Com ele viriam as rugas e pelancas.
A decrepitude era inevitável; mas sob os cuidados daquele doutor protetor, que mais parecia um papai bonachão, os tais males seriam minimizados. Com certeza, a alegria voltaria ao coração espinhado da velha Inês Chalant.

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