Usina de Letras
Usina de Letras
146 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->UM MONSTRO EM PORTUGAL -- 28/05/2005 - 12:09 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


UM MONSTRO EM PORTUGAL
Crónica urbana
João Ferreira
28 de maio de 2005

Era um dia quase de festa, com Lisboa agitada por bandeiras vermelhas. O Benfica ainda celebrava a vitória no campeonato português. Eu estava de férias em Lisboa e resolvi passear, descer a pé da Praça do Rossio até à Praça do Comércio para recordar as jóias arquitetónicas e o comércio da Baixa Pombalina. Havia uma coisa que me perturbava. Todo o mundo falava naqueles dias do monstro que assolava Lisboa e ameaçava colocar todo o país em pànico.
Inicialmente fiquei meio receoso. Mas aos poucos fui admitindo que não estávamos em tempos medievais para acreditar logo-logo que um lobisomem andava por ali. Mas bom mesmo seria observar, ouvir e aguardar para ver o que significava isso de um monstro real na capital portuguesa daquele país maravilhoso de Fernando Pessoa. Por outro lado coçavam-me a memória o falatório sobre Ovnis no Brasil e as imagens dos Ets visitando a Terra.Entre realidade e imaginação, continuei minha jornada turística em Lisboa. Tomei o comboio na estação de Alcàntara até Cascais num percurso sempre beirando a foz do Tejo já em namoros com o mar. Mas a imagem do monstro me perseguia e inquietava, por onde quer que fosse. Nas praças, nos elétricos, nos comboios, nas ruas,como se fosse um pesadelo.
Tomando um café com um amigo na linda cidadezinha de Cascais, perto do Estoril, ele me deixou com mais dúvidas na cabeça. Meio enigmático, simplesmente me alertou que Portugal era vítima de um monstro. Havia por estes dias um clima nítido de que Portugal era um país sujeito à ditadura do monstro. Um discurso destes me atarantou mais ainda. Me parecia que eu estava cercado. E que minhas férias estavam ameaçadas. Pois, se até o meu amigo me confirmava a existência do monstro em Portugal. Como sair dessa?
Afonso era um intelectual da Universidade Nova de Lisboa e tinha o diagrama perfeito de seu país. Isso me levava a acreditar nele. Depois, estava com o jornal na mão. Um jornal importante: o "semanário económico". De relance, sem que ele me dissesse uma única palavra, peguei a manchete: "Medidas para conter o monstro". Fiquei mais atemorizado ainda.Seria verdade mesmo?
Na minha cabeça ia confirmando que não era inteira ficção nem imaginação popular aquilo de que se falava. Meu amigo era bastante calado e não se abalançava a fazer maiores comentários sobre seu país. Na minha cabeça planava clara a idéia: se o Governo estava tomando medidas para conter o monstro é porque o monstro de facto existia.
Puxa! E agora?
Antes de regressar ao Hotel passei por uma banca de jornais, na Baixa. Achava que uma notícia dessas não podia passar despercebida aos jornais. Seriam eles os grandes postos avançados para detectar a figura do monstro. Para me munir bem de todas as informações e ter a noção adequada sobre a existência do tal monstro, era necessário comprar um bom molho de jornais e revistas. Interessante: essa preocupação portuguesa com o monstro coincidia com o momento em que na França se preparava uma nova revolução destinada a convencer os cidadãos franceses para dizerem sim à Constituição Européia. Comprei o "Semanário económico", "Visão", uma bela revista de atualidades, "Diário de Notícias", "Correio da Manhã", "Jornal de Notícias" do Porto... para levar comigo e ler no Hotel.
Estava disposto a vigiar também os noticiários da TV. Me encontrava quase naquele situação de sobreviver com os portugueses aos ataques do monstro medonho que ameaçava em cada esquina.
Já no táxi a caminho do Hotel, vi que o jornal "Expresso" tinha uma manchete luminosa e aterradora: "Sócrates ataca o monstro." Não tive tempo de ler a notícia: só a manchete. Mas isto carregava ainda mais o horizonte que já estava escuro..
Cheguei ao Hotel. Meio embalado e pressionado pelos temores que trazia da rua, sondei entre os garçons da portaria, o jovem Vasco Miranda, sobre esse negócio do monstro em Portugal.
-Ele foi taxativo:
-Senhor doutor, isso tem uma história.
Fiquei muito curioso e disse:- Me conte, por favor.
Mas o senhor Vasco era contido por algum receio:
-Eu não sei se posso contar, senhor doutor. Somos empregados e eu não sei se a gerência do hotel me autoriza a desvendar este segredo para os clientes. De mais a mais trata-se de um segredo que dizem ter nascido de razões de Estado...
Misterioso este Vasco.
-Mas, senhor Vasco, o que parece é que isto é apenas uma história que corre por aí. Meramente popular. Não tem lado político, parece. Não tem que ter medo de me contar.E eu sou um turista que quero apenas saber notícias sobre o monstro em Portugal. Dentro de quatro dias vou embora e gostaria de saber contar essa história .
-Pois é, senhor doutor, voltou o Vasco Miranda. Dizem que quem soltou a notícia por aí foi gente da política. Me dizem também que quem melhor sabe do segredo é o dr. Cavaco Silva, ex-primeiro ministro.
-Ah é? Mas como é que um político ia se meter numa história tão popular, uma história da rua, que é a existência de um monstro???
-Disseram-mo, senhor doutor.
O Vasco ficou me olhando. Mas percebi que não iria dizer muito mais. E eu não queria fundir minha cuca ali.
Fui deixar minhas coisas no apartamento e desci novamente para a rua, disposto a desvendar aquele mistério do monstro em Portugal.Passei pelos Restauradores e na gare do Rossio resolvi meter conversa direta com alguns populares que iam tomar o comboio de Sintra.
Me acerquei de um senhor negro, que me disse ser africano da tribo balanta da Guiné-Bissau.
-O Senhor mora há muito tempo em Portugal? perguntei - Seis anos, respondeu. -Me diga uma coisa:-O que é esse negócio de monstro em Portugal, perguntei.
-Monstro? Meu caro senhor não sei nada de monstro. O senhor vai em qualquer fila de taxistas, em qualquer pontio da cidade e pergunta a um dos taxistas. Eles sabem todos os segredos da praça. Sabem tudo de "fofoca", como os senhores dizem lá no Brasil. Estão sempre bem informados, desde o aeroporto até ao palácio de Belém.
Tomei o metro, via Avenida da Liberdade, até à praça do Saldanha. Já diante de um grupo de motoristas de táxi, disparei:
-Meus senhores, boa tarde.
Me dirigindo a um deles:
-Desculpe. Sou um turista brasileiro. E gostaria de uma gentileza do senhor. De uma informação. O que é que há de verdade sobre a existência de um monstro que está afligindo todos os Portugueses ?
-Monstro?
-Sim, monstro. Dizem que há um monstro em Portugal.
-Ó Manel, explica aqui para o senhor doutor como é essa coisa do monstro.
-Monstro?
-Ah, sim disse o senhor Nuno Álvares. É uma história longa. E o povo agora tomou conta dela. O Governo está para aí tentando reformas e os jornais estão falando de um monstro, que o povinho não sabe ainda bem o que é. Dizem que foi o doutor Cavaco Silva que viu esse monstro pela primeira vez...
-É mesmo? perguntei. Mas o monstro existe ou não?
-O monstro continua à solta, disse, vivíssimo em seus olhos, o Zeca da Freixianda..
-Sabe o que é, senhor doutor, atalhou o Vicente na roda dos taxistas do Saldanha. O monstro que impressionou o senhor e não lhe explicaram bem é o déficit português. Déficit de 6,83.O mais alto da Europa. É claro que isto impressionou país. E o doutor Cavaco, que já foi primeiro ministro, batizou o déficit, e disse com todas as letras que este é o "monstro" que ameaça devorar Portugal.
-O povo botou fala e com razão. E quando se diz que o dr. Sócrates ataca o monstro, é a notícia de que o primeiro ministro vai apresentar um projeto para anular esse déficit. Zerar esse déficit será matar o monstro.
-Ah, disse eu aliviado e pronto para continuar minhas férias...
-Até que enfim... Consegui dormir, finalmente, sem sonhar com o monstro naquele dia atribulado que passei em ambiente lisboeta.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 73Exibido 440 vezesFale com o autor