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Contos-->As chaves -- 10/06/2008 - 10:32 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As chaves

Fernando Zocca

Van Grogue saiu do bar do Zezinho já bastante satisfeito com as pingas ingeridas. Ele não achou que estava muito embriagado e sob surto, quando percebeu quase defronte a si o vereador Fuinha Bigoduda.
O edil descia de um carro velho; ele fechava a porta quando Van ao passar perguntou:
- Mas vereador, o senhor é analfabeto, como conseguiu tirar a carta de motorista?
O Fuinha, olhando de baixo para cima, com uma expressão de "olha lá seu irresponsável. Cuidado que você pode se arrepender", em resposta à provocação disse:
- Quem não quer barulho, seu Van, não ajunta ladas.
Van Grogue insatisfeito com a resposta continuou:
- Dizem que ainda esse ano o senhor vai entregar as chaves da câmara municipal. É verdade isso, ou o pessoal está querendo brincar?
Bigodudo colocou as chaves do carro no bolso, sacou um celular e simulando dialogar com alguém falou:
- Manda o pessoal da coleta de lixo... pelo jeito isso não tem mais fim... faz tempo que fiz o pedido... hãhã...
Enquanto o vereador falava, Grogue, parado ao lado dele, esperava o final da "conversa" abrindo um jornal justamente nas páginas com as notícias policiais. Ao ver aquilo Fuinha arregalou os olhos, mesmo assim prosseguia com a simulação. Ele sabia que estava sendo ouvido.
Ao terminar a cena do celular, o edil batia as mãos nos bolsos, como se procurasse algo que deveria estar ali com ele. Então Van Grogue dobrando o jornal com movimentos exagerados ouviu:
- Esse pessoal tem inveja de mim. Eles me enchem muito porque não conseguem fazer o que faço. Vim de um lugar miserável, onde não tinha nem milho pra comer. Cheguei aqui com promessa de emprego de cortador de cana. Fui eleito, com apoio do reitor da UNIMERD e usineiros do trecho, estou até hoje no lugar que me puseram há mais de vinte anos, graças ao meu pessoal evangélico e enquanto eles quiserem eu serei o representante legal deles. Qual é o problema?
Van Grogue notou que o homem estava mesmo cheio de razão, mas para descontrair soltou:
- O senhor não é boneca inflável, mas estão sempre te enchendo, não é mesmo nobre colega? Mas aproveitando a oportunidade, virando a página rapidinho, é verdade que o senhor quer dar um novo horizonte para essa gente toda?
Fuinha percebeu que ficaria vermelho de raiva e por isso simulou uma tosse, com a qual intencionava encobrir as palavras do interlocutor. Ouviu então o que falava o ébrio:
- É verdade, nobre vereador, que a Câmara tem muito serviço? Que tem tanto trabalho que até emperrou? Que as coisas não andam, não circulam, que aquilo tudo é uma burocracia constipada?
O edil já bastante enfurecido procurava as chaves do carro. Seu desejo era o de espancar aquele meliante bêbado, mas em nome do cargo e do que ele significava financeiramente, continha-se a não mais poder.
Os dois homens mantinham-se ali na calçada, um tentando se desvencilhar e o outro procurando satisfazer a necessidade de informações, até que um gaiato passou dirigindo um carro velho verde e disse:
- Fala ai, vereador! Galinha que acompanha pato, morre afogada! Sai dessa, meu amigo.
Completamente sem jeito, Fuinha achou as chaves do carro, mas por estar muito nervoso, não conseguia penetrá-la no orifício. Quando enfim abriu a porta e sentou-se ao volante, notou que Van Grogue, aquele que confundia aviador com havia dor, alucinado e bafejando os humores da ressaca, afastara-se cambaleante.
- Nossa, que nervo! - Murmurou o legislador saindo às pressas, sem nem ao menos se lembrar do que viera fazer naquele lugar, fim do mundo onde perdera as botas o Judas.
Comentarios

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