“ Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude....
Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar...” (Clarice Lispector)
Queria escrever um tratado sobre a solidão. Que pretensão. E mais ainda, não seria essa solidão que sentimos ao depararmos com o outro lado da parede. Mas a solidão interior. Essa que nos afasta do convívio do outro. Que aproxima corpos, palavras, mas afasta almas, mentes. A solidão das multidões da cidade grande. A falta do Bom dia, do sorriso. Ou até a existência dele, mas, sem um eco, sem uma ressonância. Podemos ser sós ao pé de uma montanha e estarmos plenos de presença. Humana. Divina. Plenos de nós mesmo. E podemos estar completamente sós em um lençol aquecido, em um cobertor dividido. Não podendo ou não querendo dividir pensares e sentires. Não querendo a proximidade com o íntimo desalentado. Ou melhor, a exposição desse interior esvaziado.
Nas cidades, cada vez maiores, hoje em dia, estamos sempre rodeados de gente. Gente que vai, vem, fala, ri, tem problemas. E que quer encontrar outras gentes. Então porque tanta solidão? Por que buscamos nos contatos virtuais a solução para a ausência mais premente? Porque quem está só é a alma. Essa se alimenta de palavras. Palavras traduzem sentimentos. Emoções intensas, nem sempre sob controle. Não há o compromisso de manter uma máscara De decência, de respeito às convenções, tradições e leis, morais ou jurídicas. Nos entregamos ao ser virtual, como somos. Entregamos nossa solidão inteira. Ele pode entende-la ou não. Considerar que buscamos prazeres outros. Do corpo. Talvez os busquemos também. Somos um ser único. Mas, a busca maior é de um outro solitário. Que entenda a nossa língua e perceba, citando a poeta, “ a dor que agora é verso...”
Quando descobrimos que a nossa solidão é um troféu tão nosso e ao mesmo tempo tão comum que ninguém o acha interessante, vem a decepção. Ninguém o quer dividir. Buscam outros sentimentos para mascararem a própria solidão. Então ela se instala como desencanto. E sabemos que teremos apenas uma companhia. “Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.”